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Ok?

sábado, 2 de novembro de 2013

AUTOBIOGRAFIA NÃO-AUTORIZADA DE UM LOUCO

Fn

Parece que eu passei esse tempo todo aqui, mas não é verdade. Minha cabeça, pelo menos ela, voou várias vezes.

Aurélia é outra que não perdeu seu tempo. Ontem surgiu do nada, veio dizer que estava fodida, como se isso fosse uma novidade, mas era fodida no sentido figurado, embora mais perto da dita e maldita realidade, que está sempre lá fora.

O que disse Aurélia?

1 - Bill Truculento mais uma vez mostrara sua verdadeira face e abusara de Aurélia, que contava como se fosse para ela algum tipo de "sacrifício". Sim, Aurélia, todos sabem, você gosta da coisa.

2 - A Superintendência ficou sabendo e puniu os dois: Bill levou um gancho de dois (02) dias; Aurélia foi banida, a bem da moralidade (não vou nem comentar... andam dizendo por aqui que eu sou contra tudo e contra todos).

3 - Aurélia relatou que jamais conseguiria um emprego como aquele de enfermeira-adjunta, ao passo que Bill, com toda truculência que lhe era devida, gritou: "Adjunte suas coisas, Aurélia, e suma do nosocômio para sempre." Depois soltou uma gargalhada medonha, nas palavras de Aurélia, que só ela ouviu, não as palavras, mas a medonha gargalhada, entenderam?

4 - Foi isso.

"Eu tenho a quem recorrer, não preciso disso aqui...", estas são, segundo as estatísticas, as duas frases mais proferidas por aqueles que acabam de entrar no estabelecimento, para gozar de um merecido repouso espiritual, já que o corporal fica por conta do bom humor... vocês sabem de quem.

Para não parecer que tudo por aqui gira em torno de Aurélia e Bill, vamos aos nossos vizinhos:

  • No lado direito mora um sujeito que diz ter perdido tudo na ventania, um tornado, qualquer coisa do tipo. Perdeu casa, geladeira, tv, até a cama e o travesseiro. Não sei se o juízo foi junto, mas arrumaram pra ele um cantinho aqui. Alguém lá fora paga suas despesas, nessa ala em que moramos, é impossível ficar mais de 48 horas sem que um parente ou um amigo faça os depósitos, umas gorjetas a título de agradecimento. Uma parte dos custos devia ser coberta com o trabalho que o Ventania faz todos os dias, lavando, esfregando, encerando o chão de lajotas rachadas, mas vai saber se recebe os créditos.

  • Agora imagine que do meu lado esquerdo quem mora é a mulher do Ventania, uma louca mansa, mas que sente ciúmes até da vassoura que o marido agarra pra lavar o chão. Os dois conversam, é claro, cada um no seu ap, comigo no meio. Um xinga o outro, todo mundo escuta e ri, altas horas. Até aí, tudo bem, mas e quando ...
  • ... começam a falar baixinho e tenho eu que intermediar o diálogo? Ventania perguntando à sua vidraça preferida se "Você lembra daquela noite no Ponto Zero?" Ponto Zero era, ou ainda deve ser, um bar em que os dois se conheceram, sei lá em que cidade, nunca me interessei.
  • Helena, que era como se chamava a mulher de Ventania, pedia que eu transmitisse a seu marido, ou ex-quase-marido, como ela mesma dizia, que não estava nos seus planos ficar lembrando coisas indecentes na presença de tantos desconhecidos.

Alguns assobiavam, outros aplaudiam, havia até um maluco que se dizia filho de Hanibal Canibal, um sujeito baixinho que adorava cinema e passava os dias, às vezes até as noites, fazendo críticas de filmes em voz alta. Era tão louco que chegou a imitar aquele cara do The Silence Of The Lambs que se masturba e joga o esperma na cara da Jodie Foster, não na Jodie, mas na personagem que ela encarnava. Nessa hora, Helena passava na companhia de Bill para, segundo alguns, foder com ele a tarde inteira, mas com a desculpa de que havia uma consulta médica, uma avaliação, que deixava irado o Ventania, e este, uma vez irado, transformava-se em furacão dentro da cela, do quarto, melhor dizendo... Não tiro sua razão, a porra pegou nos peitinhos de sua vidraça querida, diga-se a bem da verdade uns peitinhos bem interessantes.

Primeira consequência: tivemos que segurar Ventania e trancar Haniball na solitária para evitar uma tragédia.

Segunda consequência: deu certo durante uns dias, uma semana talvez. Numa tarde chuvosa, Ventania driblou a vigilância, abriu a porta do cofre de loucos e partiu pra cima do tarado, quase arrancando os olhos do infeliz.

Terceira consequência: Helena ficou se achando, com aqueles dois alucinados lutando como feras pelo seu amor.

Quarta consequência: não houve.

Quem aí não ouviu falar no juiz Simeão Neto? Confesso que eu tive o desprazer de conhecê-lo, mas não como juiz, nem como desembargador, nem ministro. Conheci aquela opulência no dia em que ele apareceu pra fazer uma espécie de fiscalização no sanatório. Andou de ala em ala segurando os supensórios, aquela barriga obscena, não dava um pio. Por aqui tava tudo bem lavado e esfregado, cheiro de tinta branca de hospital de loucos, até uns vasinhos de flores colocaram nos quartos, é bem verdade que nego andou comendo algumas, mas nada exagerado.
Pois bem, ou pois mal, quando o ex-juiz, agora secretário Simeão passou em frente ao quarto de Ventania e enfiou a cara na janelinha pra ver quem tava lá dentro, quase no mesmo instante retira a cara gorda e solta um grito irado, indagativo e pornográfico: "Que porra é essa?"
Acorrem enfermeiros, psiquiatras, psicólogos, chefes, sub-chefes, administradores, veio gente que eu nunca tinha visto no Sana. Enquanto Simeão Neto repetia a pergunta, com algumas variações, tipo: "Que caralho é esse?", um a um, funcionários metiam a cara na janelinha e logo saíam estarrecidos, até que o velho Bill gritou para Ventania: "O que é que você tá fazendo nu, acorrentado à própria cama, seu filho da puta?" Mais tarde ficamos todos sabendo que aquilo era um protesto, uma reivindicação: Ventania queria que o secretário Simeão Neto autorizasse visitas íntimas semanais à sua esposa, Helena de tal, que ali se encontrava passando uns tempos, não que precisasse. Simeão quis ver essa tal Helena de tal, achou que era bonita demais para um louco horrendo e perigoso como Ventania. Por pouco não contrata a moça como sua chefe de gabinete. Helena inchou ainda mais, Ventania apanhou como boi ladrão, ali mesmo em seu quarto escuro e lacrado, sob as ordens de Simeão Neto.
Depois da visita, o escrivão Isaías chegou a ensaiar um registro da ocorrência, um termo circunstanciado, mas d'Oliveiros e Arnaldão gritaram um solene: "Não conte comigo, Isaías! É fria se meter com esse juiz" e recusaram-se a servir como testemunhas, de modo que a coisa morreu por ali mesmo, não sem antes Bill Truculento dar mais umas porradas em Ventania, pra ele aprender a não jogar na lama o nome da instituição.


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