Anjos alarmados, demônios
alarmistas trombeteiam-se na tênue divisa, entre o céu acima, a
terra ao meio e o inferno um pouco abaixo. Esbarram-se na construção
do mundo: terra-água-água-água-água-e-afinal-areia-lá-no-fundo.
Contam-se nos dedos as cabeças pensantes. Caules, folhas, frutos,
luas cheias, marés vazantes. Unicórnios livres, antílopes
pintados. Na parede da caverna, o sol projeta sombras de corpos
untados.
Passa o tempo, muda a
terra, salvam-se alguns dos homens em guerra.
Gente nômade, à procura
de um destino, um basta, uma tenda, um grito de liberdade que os
prenda, na margem fofa que o rio corta. Ali descobrem, longe da arte,
a fome viva, a natureza morta.
Roma não se fez num dia,
mas um dia Roma se fez. Como um brinde aos novos séculos, mil Romas
erguem-se imponentes. Santos falsificados espalham o medo e a
mansidão na legião de crentes. Mas há um cheiro de revolta em cada
pedra no caminho, nas mesas da estalagem, nas rédeas, nos chicotes,
até no ar do pelourinho.
Banhos são raros e
sangrentos. Idéias que eram luzes, de uma hora para outra perdem a
voz, renegam, tripudiam, apagam espíritos, sufocam a dor, dominam as
hordas, com ares desvairados. Marcham-se por elas, as idéias;
matam-se por eles, os autores. Mas ninguém sabe explicar direito a
quantas andam o mundo que foi feito.
Cresce o sentimento de que é
possível alcançar o incompreensível.
Evidente a nostalgia da
inocência que se foi.
(CONT.)