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domingo, 4 de junho de 2017

AULA PRÁTICA

Fn


Vamos começar pelo fim. Não, não é isso, não vamos contar a história de trás pra  frente. O fim é a finalidade, o objetivo, por aí é  que vamos começar. Todos vocês estão vendo aquele corpo em decúbito dorsal, no chão próximo à cozinha? Sim, corpo em decúbito dorsal é o mesmo que estar deitado de costas no chão, no chão ou no colchão, na areia da praia, no raio que os parta, não suporto ignorância, me dá nos nervos. Voltando à vaca fria, aquele corpo a que me referi é, infelizmente, um dos nossos informantes. Ele era casado e a mulher, também morta, está nua e deitada de bruços no porcelanato frio do banheiro social. Sei que ninguém viu o corpo nu da mulher, nem vai ver, porque já colocaram um lençol branco em cima do diáfano cadáver. Duas perguntas? Pois não, o que é diáfano e como eu sei que o corpo nu da jovem era diáfano se ele está coberto por um lençol branco? Primeiro: diáfano é transparente; segundo: sei que o corpo da jovem era diáfano porque me disseram, não com essa palavra “diáfano”, disseram que a morta era tão branca que parecia transparente, quem o disse? Vocês querem saber de todos os detalhes, foi a perita, sim, sim… a nova perita, ela examinou a mulher morta e a cobriu com o lençol branco. Mas, chega de cores ou da falta delas. Vamos voltar ao objetivo do crime, que é por onde começaremos, afinal, a tirar nossas conclusões. Ciúme é a primeira hipótese, um crime passional. vamos supor que o marido chegou em casa e surpreendeu a esposa em atitude libidinosa com alguém, que ainda não sabemos quem é, pois conseguiu fugir do local do crime. O marido flagra o adultério, saca sua arma e mata a esposa. Depois, desesperado com seu ato extremo, atira contra a própria cabeça e cai, não sem antes disparar várias vezes a esmo, provavelmente procurando atingir o amante que fugia em disparada. Os vizinhos ouviram os disparos, mas, como sempre, imaginaram que se tratava de fogos de artifício, é o que todos os vizinhos pensam quando não querem se incomodar. Uma pergunta: podemos afirmar com segurança que foi isso que aconteceu? Ninguém se manifesta? Pois respondo eu: de forma alguma! Embora o marido morto ainda segure a pistola, com a qual teria assassinado a esposa e posto fim à própria vida, tal hipótese não corresponde à verdade dos fatos, pois já fomos informados que não há resíduo de pólvora nas mãos do morto. Como diziam os velhos políticos mineiros, Jabuti não sobe em árvore, se encontramos o animal lá em cima é porque alguém o colocou, certo? O mesmo raciocínio deve ser usado em relação à arma do crime, o verdadeiro assassino colocou a arma na mão do marido morto, depois de matar os dois . Neste momento é preciso informar que a mulher também não possuía resíduo de pólvora em suas mãos, logo o assassino não estava naquele cenário. Partimos para outra hipótese: o amante mata a mulher nua e seu marido vestido, provavelmente limpa as digitais e coloca a arma na mão da vítima, sugerindo homicídio seguido de suicídio. Mas a pergunta que não quer calar é: a pistola era legal e estava registrada em nome da mulher, se o amante e a mulher foram surpreendidos pelo marido, por que o amante matou a mulher com quem estava em atitude libidinosa? Tudo bem matar o marido, nosso informante, e sugerir que foi ele o responsável  pelas mortes, mas por que assassinar a mulher? Quem acha que está na hora de abandonar ou pelo menos colocar em dúvida a hipótese do ciúme como motivo do crime pode contar com a minha anuência. Enfim, um olhar inteligente, sim, é o seu, moça de calça jeans e camiseta amarela com o instigante logotipo freedom. Pelo seu olhar já sei que está tentando descobrir por que o corpo do homem foi arrastado da sala até perto da cozinha, e depois tentaram limpar o rastro de sangue no carpet, mas, é claro, marcas sempre ficam. Não sei a resposta, mas gostei de seus olhares irrequietos. Um novo dado que devemos levar em consideração: não há sinais de arrombamento de portas e janelas. Portanto, o homicida possuía a chave ou abriram a porta para ele. O jovem que levantou o braço para intervir revela a suspeita de que o corpo foi arrastado e a mulher despida apenas para adulterar a cena do crime e dificultar as investigações. É uma especulação, mas devemos levar em conta. Se eu fiquei incomodado com essa nova alternativa? Não, de maneira alguma, por que deveria me incomodar? O corpo do homem foi arrastado sem razão alguma e o da mulher despida depois de morta, a ser verdade, isso altera a hipótese de crime passional, pode haver qualquer outra razão. O que temos de concreto? Muitas possibilidades e quase nenhuma materialidade. Alguém se aventura a trilhar um novo caminho? Sim, pois não, o investigador de óculos rayban pergunta se eu conhecia o casal assassinado. Por que eu? Gostaria de saber qual a intenção da pergunta. O quê? A moça de blusa amarela pergunta se não existem câmeras no local, eu digo que não, não há câmeras para auxiliar as investigações. O quê??? Ela me responde que há, sim, câmeras e que os arquivos já estão sendo analisados na delegacia. Eu continuo achando que é um blefe, não há câmeras na casa, se houvesse, aqui dentro ou lá fora, eu teria sido informado, não é? O que é que você está me dizendo, detetive? Há uma câmera ali naquele canto da sala, disfarçada pela cortina da janela? Tem outras? Posso saber por que diabos não me informaram? Ah, estão querendo me incriminar. Fui pego de surpresa, me larga, me solta, onde está a nova perita? Foi presa como cúmplice? Não há provas, tenho certeza que não há provas, as câmeras flagraram apenas um homem parecido comigo, vou pedir a anulação das supostas evidências, agora dizem que eu é que era o amante da mulher desse canalha, um informante, um maldito X9 que a espancava sem piedade,  me solta, não aperte tanto as algemas, mais respeito, mais respeito... Estou estupefato, como todos vocês também deveriam estar.    

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