Só de te ver assim, falar-te-ouvir-te
deu em mim uma certa vontade
quanto mais não seja
de desatar a dizer bobagem.
Tantas e tão tolas idéias,
de tal forma desprezadas,
amarfanhadas, trituradas...
que nem intentos serão consideradas
no antigo cesto de papel em desuso
(a lixeira no monitor continua entupida
sempre prestes a queimar tolices).
Alguém vai me dizer que é preciso mudar o rumo
desalinhar o prumo
inverter prelúdio e prenúncio
tecer no vazio, medir
com esses olhos de geômetra
que Deus deveria ter me dado
um certo ângulo estranho
dos teus cabelos ao vento
que um raio de sol pontilhou em movimento.
Outro me corta a rima
e o que mais inútil for.
Arranca do corpo os detalhes
risca a boca, os olhos,
raspa a cabeça
a idéia que faço dela
e os desejos que fazem de mim
o transgressor que não penso ser.
Só não se doa
- não precisa se doer -
não é corte ensanguentado
de gilete, facão, bisturi
caco de vidro, espelho quebrado.
É o desejo, puro e simples
que amanhece hoje sanado.
No afã de enxugar o mais que posso
retiro de teus pensamentos
pretensas idéias adiposas
extraio o sumo seco das nanicas
torço, moo, espremo, aparo
crio o vácuo.
Aprendo a te podar com a tesoura dos sábios
embora saiba que nem o maior de todos
pode prescindir de alguns vazios corporais
com segundas intenções de preenchê-los.
Quando me dizes que
enxugando
pretendo te reduzir à essência
e a essência por si só não é coisa viva,
embora serpenteante,
cogito que talvez tenhas em parte uma certa razão,
mas a razão, neste caso, como em tantos outros,
convém deixar de lado.