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sábado, 27 de junho de 2009

O Sol Que Nos Banha

Gostei que você veio me ver, doutora, gosto sempre, mesmo quando vem só em pensamento: sozinha e apenas nas minhas visões, às vezes você vem. Tenho seguido seus conselhos e evitado pensar demais no que aconteceu, poderia dizer que para mim tudo aquilo é coisa do passado, e como se diz por aqui, o que passou, passou... Também tenho seguido seus conselhos para não recusar os remédios e não me envolver em brigas e disputas com os outros internos, "...deixe que cada um cuide da sua própria vida", você me disse um dia e eu procuro obedecer. Sinto pena em seus olhos quando me observa do outro lado das grades cinzentas, mas não quero que sinta isso por mim. Não se sinta culpada pelo que aconteceu, doutora. Nós dois, e só nós dois, sabemos que você me orientou, me disse em pensamento: "Vai lá na cozinha, pega o facão e enfia no cara que mentiu para mim quando disse que me amava". Eu fui, doutora, mas fui porque quis, não porque você tenha mandado ou pedido com as palavras que saem da sua linda boca, foi algo que você pensou e me transmitiu, como sempre, nós nos comunicamos cabeça-com-cabeça, uma ligação tão direta como só as mulheres podem ter com os homens durante a posse. Uma enfermeira magrinha, de nome Sandra ou Aurélia, veio me dizer que foi estagiária na mesma clínica de psicologia em que você trabalha, mas eu não acreditei em uma só palavra do que ela disse, talvez por isso nem tenha gravado seu nome na memória. O que ela disse? Disse coisas horríveis, nem gosto de lembrar, que dirá falar para você, doutora, mas já que insiste... Essa tal de Sandra, essa magricela filha-de-uma-puta, falou que você conversou com ela sobre mim, disse que você me odeia, que eu nunca deixarei esse lugar, disse que você só vem aqui para olhar nos meus olhos dementes e rir do meu sofrimento, me chamou de cão imundo por ter assassinado o único homem que você amou de verdade em toda a sua vida, disse mais, disse que você, doutora, sente prazer em ficar de pé no corredor, cercada por seguranças e enfermeiros, olhando para mim, "escarrando na vida mesquinha que eu levarei até a morte", que há de custar muito para me livrar desse inferno. Não acreditei. Sei que você não seria capaz de me desejar o mal, logo você, que me pediu tanto para por um fim aos abusos do canalha. Mas não precisa se preocupar, não farei nada por enquanto com essa Aurélia ou Sandra, só peço que você não converse mais com ela, não conte a ela nossos segredos, doutora, nem fale com o diretor a meu respeito. Amanhã de manhã, quando você acordar e colocar seus lindos pezinhos na calçada, olhe para cima e pense apenas: "Este sol que serve para me aquecer é o mesmo que os banha lá no pátio do manicômio", e só isso já me faz feliz, doutora.
(Este texto é, de certa forma, continuação de "Seus Desejos"... Calma, é apenas um outro texto que está mais abaixo)

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