Ontem, depois de ter passado a noite inteira conversando com você, deitados lado a lado na sua pequena cama de solteira, adormeci, ou melhor, fiquei naquele estado entre o sono e a consciência já meio perdida. Era bem tarde, mas ainda não amanhecera, um ou outro galo limpava a garganta, na certa preparando-se para mais uma estreia grandiosa, dessas em que parecem ameaçar: “Estamos aqui! Não ousem bulir no meu terreiro!”. A chuva caía em pingos esparsos, não chegavam a incomodar teu sono, nem a me trazer de volta para algum tipo de realidade, seja qual for essa ilusão que insistimos em chamar de realidade (Eu sei que até isso é dúvida velha e desgastada. Ninguém mais se interessa pelos nomes que as mentiras têm).
Comecei a conversar contigo na minha cabeça. Perguntas simples, a maioria sobre o que você estava achando dos últimos acontecimentos que quase mudaram sua vida radicalmente. Olhando seu rosto na penumbra do quarto, senti uma ternura imensa, uma vontade sem limites de te proteger. Foi bem nessa hora que, para meu espanto, você respondeu baixinho, como se tivesse escutado meus pensamentos: “Proteger de quê? Acha que pode?”
Claro que levei um susto. Fiquei pensando que aquela voz tinha saído de dentro da minha cabeça, onde o diálogo até então se realizava. Duvidei, tal a nitidez das palavras e a semelhança com seu tom de voz. Ousei perguntar em pensamento: “Tá acordada?” Não respondeu, o que de certa forma me tranquilizou por alguns instantes. Mexeu-se na cama, encostou seu corpo ao meu. Não pensei em nada, não disse nada... Apenas, mais uma vez, ouvi sua voz me alertando: “Há um homem aí dentro, muito mais forte do que todo o amor respeitoso que juras sentir por mim”.
Era um sinal, sem dúvida, mas de quê? Algo como: “Vem que eu também te quero”? Ou, o oposto: “Cuida para não ultrapassar a barreira que uma vez rompida pode por em risco nossa imensa amizade”?
A dúvida, algumas vezes, estimula; outras vezes, paralisa.
Você mesma se encarregou de me indicar o caminho, sugerindo: “Me leva dentro de ti, como eu te levarei dentro de mim para sempre. É aí que reside o amor que tanto procuramos. É o bastante para nós dois”.
Ilusão?
Poucas vezes senti alguém tão perto e entrei com tanto carinho em seu corpo, no seu coração, em tudo que se abre para dar vazão a um prazer imenso, daqueles que nunca se findam. O canto dos galos, a chuva, o sol a despertar, você em sua cama, para sempre comigo.