De agora em diante, pra mim só existe o futuro.
E tem mais: só as coisas boas do futuro.
Não vou mais me preocupar com brigas,
nem de cachorro grande, nem de galo garnizé.
Quero esquecer para sempre
o que um dia fui, ou deixei de ser.
Preciso lhes revelar que o futuro será luminoso,
cordial, asséptico.
Embora quente e receptivo a todas as emoções.
(Estou bem à vontade, com ele aqui do meu lado.)
Não haverá crianças que choram,
de fome ou de birra.
Só as que correm, cantam e brincam,
virtualmente felizes,
na realidade que o futuro há de inventar.
O mundo será de artistas,
mas nenhum deles famoso ou refém dos bajuladores.
Haverá romantismo,
especialmente para as mulheres,
que serão eternamente jovens e magrinhas (até certo ponto).
Não haverá caciques nem políticos corruptos.
Aliás, nem política haverá.
Tudo será feito com naturalidade
e aceito com boa vontade,
até mesmo cabelos vermelhos e massagens com lama.
Nada de porta fechada, cara amarrada,
silêncios omissos.
Não haverá melhor nem pior,
porque a comparação será coisa do passado.
Ninguém, absolutamente ninguém, vai se angustiar
com uma rima malfeita ou um passo maldado.
Os julgamentos estarão banidos
e, junto com eles, todos os erros cometidos.
Por uma questão de lógica,
nada será proibido, mas nem tudo será permitido.
(Neste caso, e somente neste caso, não terá ido a dita lógica
para o espaço)
Os que querem crer, acreditarão,
mas sem acusar os que não crêem.
Por falar nisso, não teremos ideal,
pois ideal tudo será.
Não haverá no futuro choro nem vela,
a não ser nas festas de aniversário,
que só contará o tempo
até cada um se sentir feliz com a própria idade.
Não haverá certas coisas banais,
devido à banalidade presente,
como o pensar na vida
e a angústia de vê-la passar inutilmente.

De agora em diante, para mim só existe o futuro.
Não ouço afinal a voz que me diz
que neste mundo não há lugar para loucos como eu,
porque esta voz também vem do passado,
morto, esquecido, para sempre enterrado.