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Querida amiga, sei que estou em falta com a sua pessoa, mas, embora não pretenda um perdão incondicional, o motivo é relevante.
Estava eu, dias atrás, na fila do caixa de um hipermercado, nacionalmente famoso por suas falsas promoções, quando uma senhora ainda jovem e esbelta, pra ser mais exato, perfeitamente comível e saboreável, tomou-me a frente e depositou suas compras na correia que conduz ao cadafalso, que vem a ser aquele scanner que registra o valor das compras.
Muito solícita, a funcionária passou um a um os itens que a mulher escolhera. Lá se foram a alcachofra, a rapadura, o óleo de linhaça... essas coisas, enfim, que qualquer um precisa ter em casa. Ao final, percebi que a mulher esquecera no balcão um maço de cheiro-verde. Muito educadamente, como é do meu feitio, perguntei: "Minha senhoura, posso tirar sua salsinha?" Pra quê??? A mulher entendeu errado, provavelmente trocou o "s" por um "c", sem cedilha. Ato contínuo acertou-me a testa com o pacote de sabão-de-coco e ainda por cima saiu aos gritos de "Indecente, indecente...!"
Amiga querida, faltou pouco para que levassem este pobre escriba em cana por atentado violento ao pudor. Salvou-me a funcionária do caixa, com seu depoimento, garantindo que a mulher se enganara quanto à peça a que eu me referi. De qualquer forma, restou-me um inchaço acima do olho direito e a certeza de que não devo tirar coisa alguma de mulher nenhuma, a não ser que me peçam encarecidamente.
A propósito, eu sei que a menina aprecia um quiabo com a sua baba natural, refogadinho no alho, cebola e tomate... A minha dúvida é se coloco o cheiro verde no final ou se, no caso do quiabo, é melhor deixar a salsinha de fora, no bom sentido, é claro...
ABUTRES S/A
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NA GANGORRA
ATO I
- E daí? Apertou o cara?
- Apertei.
- E ele?
- Rateou, Chefe.
- Rateou como?
- Não quis falar.
- E você? Apertou mais um pouco?
- Apertei, Chefinho. Mesmo assim ele não quis falar, ficou se esquivando.
- Se esquivando como?
- Nhem-nhem-nhem, hã-hã, hmm-hmm... essas coisas.
- E você?
- Perdi a cabeça, Chefe.
- Lurdinha?!
- Disse que se ele não falasse, a gente ia cortar a língua dele.
- E???
- Ele não falou, Chefe. Aliás, não falou e não fala nunca mais.
- Lurdinha, você arrancou a língua do cara?
- Eu não, Chefe. Ataíde se encarregou de tudo.
- E agora, Lurdinha? Ainda bem que o cara pode escrever...
- Pode não, Chefe. Ataíde também quebrou, triturou as duas mãos do coitado.
- Puta que o pariu, caralho!!! E agora, como é que vou fazer?
- Sei não, Chefe. Sei que o Ataíde mandou buscar a mulher do cara.
- Ainda bem... Ela sabia de alguma coisa?
- Se sabia, nem deu tempo de perguntar.
- Como assim, Lurdinha? Não me assuste...
- Chefe, sabe aquele jeito tarado do Ataíde? Pois é, se apaixonou à primeira vista pela mulher do cara.
- E ela?
- Era mais ou menos, nem muito gostosa nem mocréia total.
- Não foi isso que eu perguntei. Quero saber o que ela disse.
- Ah... Falou que jamais transaria com o Ataíde porque ele era feio demais. Feio por fora e mais feio ainda por dentro.
- Tem razão.
- Quem, Chefe?
- A mulher do cara, porra... Ataíde é o demo encarnado no belzebu.
- Não fala assim que ele pode escutar, Chefe. Vai que ele tá ali atrás da porta.
- Conta logo o que ele fez.
- Arrancou dois dentes da pobre, sem anestesia. Disse que o avô tinha sido prático e deixou de herança um boticão enferrujado.
- E a mulher? Não gritava?
- Gritava, chorava, esperneava, xingava... De nada adiantou. No final, Ataíde pegou um espelho, pôs bem na frente da cara dela, com o sangue escorrendo pelo queixo, e tripudiou: “Tá vendo agora quem é feio pra caralho?”
- E você, Lurdinha?
- Eu? Não me acho tão feia assim...
- Não é isso, porra... Perguntei o que você fez, o que sentiu, entendeu?
- Sabe, Chefe, às vezes sinto um pouco de medo do Ataíde.
- Um pouco???
- É, ele é meio intransigente, revoltado, sei lá...
- Essa é boa: “Intransigente, revoltado...” A violência do Ataíde não tem dinheiro que pague.
- Ah, por falar em dinheiro, o Ataíde me mandou aqui pra saber quando sai a grana, Chefe.
- Grana??? Vocês cortam a língua do cara, deixam a mulher desdentada, não descobrem porra nenhuma e ainda me falam em grana???
- Eu sei, Chefe... Também disse pro Ataíde que a gente fez errado, devia ter cortado a língua da mulher e arrancado os dentes do cara. Ela tá lá até agora, falando pelos cotovelos, enchendo os ouvidos do Ataíde, se é que ainda não aceitou as propostas dele.
- A desdentada? Ataíde gosta?
- Isso é bobagem, Chefe... Hoje em dia tem implante, prótese... Só doeu na hora de arrancar, mas ela é mulher e esquece rápido.
- Não ficou com ciúmes, Lurdinha?
- Do Ataíde? Só me faltava essa...
- Por que? Ele não é bom pra você? Ataíde te maltrata, Lurdinha?
- Só às vezes, mas não é nada como cortar a língua ou arrancar os dentes no seco
- Maltratar é sinal de carência. Não sabia que o Ataíde era assim.
- Carente? Aquilo é um poço de ciúmes e desejos.
- Quando ele sente ciúmes de você o que é que ele faz, Lurdinha?
- Uma vez apertou meus biquinhos com a torquez.
- Uiiii...
- Não foi muito forte, nem chegou a sangrar, só doeu pra caralho.
- Você gritou de dor?
- Gritei, xinguei, chamei ele de filho-da-puta... Veio até vizinho bater na porta.
- E o Ataíde?
- Saiu só de cueca no corredor do cortiço, com a torquez na mão, perguntando com aquele vozeirão que o senhor já conhece: “Quê que foi? Nunca viram discussão de marido e mulher?” Todo mundo fugiu... hahaha
- Ciumento mesmo, esse Ataíde... De quem é que ele desconfiava, Lurdinha?
- Do senhor, Chefe.
- De mim??? Logo eu?
- Achava, talvez ainda ache, que o senhor tem muita intimidade comigo, Chefinho.
- Poxa... Nunca houve nada entre nós.
- Só aquela vez, lembra?
- Certas coisas nem é bom lembrar... Vamos pôr uma pedra no passado, dona Lurdes. Agradeço muito a sua visita, mas tô precisando resolver uns problemas, sabe como é...
- E aquele negócio? Quê que eu falo pro Ataíde?
- Que negócio? Não me assuste, não me assuste...
- Calma, Chefinho... Tava falando da grana. O senhor vai pagar ou não vai?
- Tá aqui, dona Lurdes... Em dinheiro vivo. Entrega pro Ataíde e diz que eu agradeço muito. Quando precisar novamente, eu ligo pra ele.
- Tá certo, patrãozinho.
- Então, tá...
- Posso pedir só mais uma coisinha?
- Fala, dona Lurdes, mas seja breve, seja breve.
- Não conta pro Ataíde que o senhor me pagou, tá? Ele vai querer tudo pra ele e eu tô precisando de umas roupinhas, um sapatinho vermelho. Deixa que depois eu me acerto com ele, combinado?
ATO II
- Chefe, o senhor deu dinheiro pra aquela vaca?
- Como vai, Ataíde? Tudo bem?
- Deu ou não deu, Chefe? Com todo respeito...
- Dei, Ataíde... Ela jurou que ia dividir com você.
- Dividir comigo??? Aquela puta???
- Não fale assim, Ataíde. Afinal ela ainda é sua esposa.
- Esposa é o caralho, nunca me casei com a vagabunda, com todo respeito...
- Ah, bom...
- Bom, o quê?
- “Bom”???? Eu disse: “Ah, não?” Pensei que eram casados.
- Que importância tem isso agora, Chefe? Vai dizer que o senhor também comeu a infeliz?!
- Eu???? Logo eu???
- Já vi que comeu... Pois fique sabendo, se o senhor não tem a informação que pediu, agradeça a ela.
- À dona Lurdes? Como assim?
- Ela mesmo, a puta da Lurdinha enfiou um dedo no olho da mulher do cara, só por ciúmes. Doutor, mais um pouco e eu faço picadinho dessa piranha, espremo a Lurdinha toda na máquina de moer carne, começando pelo dedo mindinho, é só o senhor mandar.
- Eu??? Logo eu? Ataíde, não me diga que dona Lurdes cegou a outra...
- Digo e provo, vai lá no cafofo pra ver. Sorte da mulher que ficou só caolha. Ainda tive tempo de segurar a vaca da Lurdinha, antes que ela enfiasse os dedos nos dois olhos da pobre.
- E o cara, Ataíde?
- Bom, esse ficou por minha conta. Dei uns apertões, achei que não demorava muito e ele ia contar tudinho.
- Contou?
- Não deu tempo, chefe. Lurdinha pegou meu facão de cortar pau de vagabundo, puxou a língua dele pra fora e... slept, saiu com a língua na mão. O infeliz tá mudo para sempre.
- Lurdinha fez isso, Ataíde?
- Não só fez como ainda saiu rindo, vê se pode tanta crueldade...
- Até parece mentira.
- Tá me chamando de mentiroso, Chefe?
- Tô não... Deixa pra lá.
- Posso não... Se o senhor pagou a maldita, seu dinheiro foi pro ralo, entendeu?
- Entendi, Ataíde.
- Tá vendo a minha mão, abertinha aqui na sua frente?
- Tô vendo, Ataíde.
- Vou fechar os olhos pra não ver o senhor contando a grana, Chefe. Tem que ser pelo menos o dobro do que o senhor deu pra ela.
- Tá certo, Ataíde, tá certo... Me responde mais uma coisa.
- Pois não, Chefinho.
- Foi você que quebrou as duas mãos do cara?
- Isso foi, não posso negar.
- E por quê?
- Momento de fraqueza, Chefe. O cara tava olhando a bunda da Lurdinha e coçando os bagos. Daí quebrei as duas mãos pra ele nunca mais apalpar nada, principalmente os próprios colhões...
ATO III
- Chefe, tem um casal aqui embaixo querendo subir pra falar com o senhor.
- Quem são eles, Juvêncio?
- Sei não, doutor. A mulher usa um tapa-olho e põe um lenço na frente da boca; o cara não fala nada, parece que é mudo, e tá com as duas mãos engessadas. Ela diz que tem uma grana pra receber. Se o senhor não pagar, vai entrar no Pequenas Causas. Olha só, tá dizendo que vai tirar uma grana do senhor pra cobrir perdas e danos morais e materiais, já tem até adevogado, doutor.
- Tava demorando...
- Doutor, será que eles não são cúmplices dos outros dois? Juro que já vi os quatro juntos no boteco do Osmar.
- Pode ser, nessa vida tudo é possível, Juvêncio...
- E então? Deixo subir?
- Deixa, Juvêncio, deixa... Aproveita e vem você também. Tenho umas gratificações pra acertar contigo, hoje é meu dia de carniça mesmo.
(Claro que continua, mas não aqui, nem agora...)
NA GANGORRA
ATO I
- E daí? Apertou o cara?
- Apertei.
- E ele?
- Rateou, Chefe.
- Rateou como?
- Não quis falar.
- E você? Apertou mais um pouco?
- Apertei, Chefinho. Mesmo assim ele não quis falar, ficou se esquivando.
- Se esquivando como?
- Nhem-nhem-nhem, hã-hã, hmm-hmm... essas coisas.
- E você?
- Perdi a cabeça, Chefe.
- Lurdinha?!
- Disse que se ele não falasse, a gente ia cortar a língua dele.
- E???
- Ele não falou, Chefe. Aliás, não falou e não fala nunca mais.
- Lurdinha, você arrancou a língua do cara?
- Eu não, Chefe. Ataíde se encarregou de tudo.
- E agora, Lurdinha? Ainda bem que o cara pode escrever...
- Pode não, Chefe. Ataíde também quebrou, triturou as duas mãos do coitado.
- Puta que o pariu, caralho!!! E agora, como é que vou fazer?
- Sei não, Chefe. Sei que o Ataíde mandou buscar a mulher do cara.
- Ainda bem... Ela sabia de alguma coisa?
- Se sabia, nem deu tempo de perguntar.
- Como assim, Lurdinha? Não me assuste...
- Chefe, sabe aquele jeito tarado do Ataíde? Pois é, se apaixonou à primeira vista pela mulher do cara.
- E ela?
- Era mais ou menos, nem muito gostosa nem mocréia total.
- Não foi isso que eu perguntei. Quero saber o que ela disse.
- Ah... Falou que jamais transaria com o Ataíde porque ele era feio demais. Feio por fora e mais feio ainda por dentro.
- Tem razão.
- Quem, Chefe?
- A mulher do cara, porra... Ataíde é o demo encarnado no belzebu.
- Não fala assim que ele pode escutar, Chefe. Vai que ele tá ali atrás da porta.
- Conta logo o que ele fez.
- Arrancou dois dentes da pobre, sem anestesia. Disse que o avô tinha sido prático e deixou de herança um boticão enferrujado.
- E a mulher? Não gritava?
- Gritava, chorava, esperneava, xingava... De nada adiantou. No final, Ataíde pegou um espelho, pôs bem na frente da cara dela, com o sangue escorrendo pelo queixo, e tripudiou: “Tá vendo agora quem é feio pra caralho?”
- E você, Lurdinha?
- Eu? Não me acho tão feia assim...
- Não é isso, porra... Perguntei o que você fez, o que sentiu, entendeu?
- Sabe, Chefe, às vezes sinto um pouco de medo do Ataíde.
- Um pouco???
- É, ele é meio intransigente, revoltado, sei lá...
- Essa é boa: “Intransigente, revoltado...” A violência do Ataíde não tem dinheiro que pague.
- Ah, por falar em dinheiro, o Ataíde me mandou aqui pra saber quando sai a grana, Chefe.
- Grana??? Vocês cortam a língua do cara, deixam a mulher desdentada, não descobrem porra nenhuma e ainda me falam em grana???
- Eu sei, Chefe... Também disse pro Ataíde que a gente fez errado, devia ter cortado a língua da mulher e arrancado os dentes do cara. Ela tá lá até agora, falando pelos cotovelos, enchendo os ouvidos do Ataíde, se é que ainda não aceitou as propostas dele.
- A desdentada? Ataíde gosta?
- Isso é bobagem, Chefe... Hoje em dia tem implante, prótese... Só doeu na hora de arrancar, mas ela é mulher e esquece rápido.
- Não ficou com ciúmes, Lurdinha?
- Do Ataíde? Só me faltava essa...
- Por que? Ele não é bom pra você? Ataíde te maltrata, Lurdinha?
- Só às vezes, mas não é nada como cortar a língua ou arrancar os dentes no seco
- Maltratar é sinal de carência. Não sabia que o Ataíde era assim.
- Carente? Aquilo é um poço de ciúmes e desejos.
- Quando ele sente ciúmes de você o que é que ele faz, Lurdinha?
- Uma vez apertou meus biquinhos com a torquez.
- Uiiii...
- Não foi muito forte, nem chegou a sangrar, só doeu pra caralho.
- Você gritou de dor?
- Gritei, xinguei, chamei ele de filho-da-puta... Veio até vizinho bater na porta.
- E o Ataíde?
- Saiu só de cueca no corredor do cortiço, com a torquez na mão, perguntando com aquele vozeirão que o senhor já conhece: “Quê que foi? Nunca viram discussão de marido e mulher?” Todo mundo fugiu... hahaha
- Ciumento mesmo, esse Ataíde... De quem é que ele desconfiava, Lurdinha?
- Do senhor, Chefe.
- De mim??? Logo eu?
- Achava, talvez ainda ache, que o senhor tem muita intimidade comigo, Chefinho.
- Poxa... Nunca houve nada entre nós.
- Só aquela vez, lembra?
- Certas coisas nem é bom lembrar... Vamos pôr uma pedra no passado, dona Lurdes. Agradeço muito a sua visita, mas tô precisando resolver uns problemas, sabe como é...
- E aquele negócio? Quê que eu falo pro Ataíde?
- Que negócio? Não me assuste, não me assuste...
- Calma, Chefinho... Tava falando da grana. O senhor vai pagar ou não vai?
- Tá aqui, dona Lurdes... Em dinheiro vivo. Entrega pro Ataíde e diz que eu agradeço muito. Quando precisar novamente, eu ligo pra ele.
- Tá certo, patrãozinho.
- Então, tá...
- Posso pedir só mais uma coisinha?
- Fala, dona Lurdes, mas seja breve, seja breve.
- Não conta pro Ataíde que o senhor me pagou, tá? Ele vai querer tudo pra ele e eu tô precisando de umas roupinhas, um sapatinho vermelho. Deixa que depois eu me acerto com ele, combinado?
ATO II
- Chefe, o senhor deu dinheiro pra aquela vaca?
- Como vai, Ataíde? Tudo bem?
- Deu ou não deu, Chefe? Com todo respeito...
- Dei, Ataíde... Ela jurou que ia dividir com você.
- Dividir comigo??? Aquela puta???
- Não fale assim, Ataíde. Afinal ela ainda é sua esposa.
- Esposa é o caralho, nunca me casei com a vagabunda, com todo respeito...
- Ah, bom...
- Bom, o quê?
- “Bom”???? Eu disse: “Ah, não?” Pensei que eram casados.
- Que importância tem isso agora, Chefe? Vai dizer que o senhor também comeu a infeliz?!
- Eu???? Logo eu???
- Já vi que comeu... Pois fique sabendo, se o senhor não tem a informação que pediu, agradeça a ela.
- À dona Lurdes? Como assim?
- Ela mesmo, a puta da Lurdinha enfiou um dedo no olho da mulher do cara, só por ciúmes. Doutor, mais um pouco e eu faço picadinho dessa piranha, espremo a Lurdinha toda na máquina de moer carne, começando pelo dedo mindinho, é só o senhor mandar.
- Eu??? Logo eu? Ataíde, não me diga que dona Lurdes cegou a outra...
- Digo e provo, vai lá no cafofo pra ver. Sorte da mulher que ficou só caolha. Ainda tive tempo de segurar a vaca da Lurdinha, antes que ela enfiasse os dedos nos dois olhos da pobre.
- E o cara, Ataíde?
- Bom, esse ficou por minha conta. Dei uns apertões, achei que não demorava muito e ele ia contar tudinho.
- Contou?
- Não deu tempo, chefe. Lurdinha pegou meu facão de cortar pau de vagabundo, puxou a língua dele pra fora e... slept, saiu com a língua na mão. O infeliz tá mudo para sempre.
- Lurdinha fez isso, Ataíde?
- Não só fez como ainda saiu rindo, vê se pode tanta crueldade...
- Até parece mentira.
- Tá me chamando de mentiroso, Chefe?
- Tô não... Deixa pra lá.
- Posso não... Se o senhor pagou a maldita, seu dinheiro foi pro ralo, entendeu?
- Entendi, Ataíde.
- Tá vendo a minha mão, abertinha aqui na sua frente?
- Tô vendo, Ataíde.
- Vou fechar os olhos pra não ver o senhor contando a grana, Chefe. Tem que ser pelo menos o dobro do que o senhor deu pra ela.
- Tá certo, Ataíde, tá certo... Me responde mais uma coisa.
- Pois não, Chefinho.
- Foi você que quebrou as duas mãos do cara?
- Isso foi, não posso negar.
- E por quê?
- Momento de fraqueza, Chefe. O cara tava olhando a bunda da Lurdinha e coçando os bagos. Daí quebrei as duas mãos pra ele nunca mais apalpar nada, principalmente os próprios colhões...
ATO III
- Chefe, tem um casal aqui embaixo querendo subir pra falar com o senhor.
- Quem são eles, Juvêncio?
- Sei não, doutor. A mulher usa um tapa-olho e põe um lenço na frente da boca; o cara não fala nada, parece que é mudo, e tá com as duas mãos engessadas. Ela diz que tem uma grana pra receber. Se o senhor não pagar, vai entrar no Pequenas Causas. Olha só, tá dizendo que vai tirar uma grana do senhor pra cobrir perdas e danos morais e materiais, já tem até adevogado, doutor.
- Tava demorando...
- Doutor, será que eles não são cúmplices dos outros dois? Juro que já vi os quatro juntos no boteco do Osmar.
- Pode ser, nessa vida tudo é possível, Juvêncio...
- E então? Deixo subir?
- Deixa, Juvêncio, deixa... Aproveita e vem você também. Tenho umas gratificações pra acertar contigo, hoje é meu dia de carniça mesmo.
(Claro que continua, mas não aqui, nem agora...)