Conheço um cara que jura que essa moda de escrever textos cada vez mais curtos tem a ver com a falta de espaço vago na cabeça dos leitores.
Ele argumenta, teoriza, esbraveja... Diz que a preguiça é a mãe da estética contemporânea. As coisas têm de vir prontas e acabadas, de preferência em movimento. “Ninguém quer pensar, ninguém quer pensar...”, grita e dá um murro na mesa, estilhaçando copos e atraindo olhares de falsa piedade. O bar está cheio, alguns já conhecem sua ira desmedida.
Na sua opinião, um texto como esse que eu estou escrevendo agora já teria sido há muito abandonado, desprezado, largado às traças. Por que escrevo? Diz ele que sou masoquista, uma espécie de “revoltado kamikase”.
Me desafia para que eu introduza uma ofensa, um palavrão, a partir da terceira frase. Acha que ninguém irá sequer notar a estupidez. Diz que eu posso até mesmo xingar, ameaçar meus raros leitores. “Ofereça dez reais a quem chegar até aqui. Garanto que nem vai precisar pôr a mão no bolso”, concluiu.
Pois esse meu amigo, depois de muito relutar, aderiu à moda do texto breve, curtíssimo, um verdadeiro fio dental literário. Enxugou, enxugou e ficou só com um único post em seu blog. Começava assim: “O dia estava nublado e denso...” Depois achou que “denso” era um adjetivo tolo e desnecessário. Cortou. Na manhã seguinte, considerou que o dia não estava mais nublado, cortou o “estava nublado” e restou apenas “O dia...”
Alguns visitantes reclamaram, achando que ele estava fazendo propaganda do jornal. O cara ficou possesso. Tirou “O dia”, ficaram só os três pontinhos.
A partir de então começou a receber um número cada vez maior de visitantes. Alguns elogiavam os três pontinhos; outros queriam saber o que havia por trás da mensagem. Seu blog virou cult. Tornou-se tema de estudos mundo afora. Ganhou status de tese de doutorado na Faculdade de Estudos Esótéricos de Calcutá. Harvard pretende convidá-lo para um ciclo de palestras. Fechou contratos milionários com Submarino e Americanas.com. Aparentemente, o dinheiro jorra quando as palavras minguam.Nunca mais falou comigo. Diz que não tem tempo a perder com prolíficos retrógrados (acho que quis dizer “prolixos”). Sua última “criação” é o blog interativo, que vai dar a não-palavra aos não-leitores. Ouvi dizer que vai ser ainda mais enxuto que os três pontinhos. Vai ter apenas um título: “:”. Isso mesmo, “dois pontos”. E aí as pessoas não falam o que bem não entenderem. Minha vingança é dizer que há de chegar o dia em que tudo isso terminará com um simples e lacônico “ponto final”. Só não sei se as pessoas vão ter saco pra ler.
Fn
Ele argumenta, teoriza, esbraveja... Diz que a preguiça é a mãe da estética contemporânea. As coisas têm de vir prontas e acabadas, de preferência em movimento. “Ninguém quer pensar, ninguém quer pensar...”, grita e dá um murro na mesa, estilhaçando copos e atraindo olhares de falsa piedade. O bar está cheio, alguns já conhecem sua ira desmedida.
Na sua opinião, um texto como esse que eu estou escrevendo agora já teria sido há muito abandonado, desprezado, largado às traças. Por que escrevo? Diz ele que sou masoquista, uma espécie de “revoltado kamikase”.
Me desafia para que eu introduza uma ofensa, um palavrão, a partir da terceira frase. Acha que ninguém irá sequer notar a estupidez. Diz que eu posso até mesmo xingar, ameaçar meus raros leitores. “Ofereça dez reais a quem chegar até aqui. Garanto que nem vai precisar pôr a mão no bolso”, concluiu.
Pois esse meu amigo, depois de muito relutar, aderiu à moda do texto breve, curtíssimo, um verdadeiro fio dental literário. Enxugou, enxugou e ficou só com um único post em seu blog. Começava assim: “O dia estava nublado e denso...” Depois achou que “denso” era um adjetivo tolo e desnecessário. Cortou. Na manhã seguinte, considerou que o dia não estava mais nublado, cortou o “estava nublado” e restou apenas “O dia...”
Alguns visitantes reclamaram, achando que ele estava fazendo propaganda do jornal. O cara ficou possesso. Tirou “O dia”, ficaram só os três pontinhos.
A partir de então começou a receber um número cada vez maior de visitantes. Alguns elogiavam os três pontinhos; outros queriam saber o que havia por trás da mensagem. Seu blog virou cult. Tornou-se tema de estudos mundo afora. Ganhou status de tese de doutorado na Faculdade de Estudos Esótéricos de Calcutá. Harvard pretende convidá-lo para um ciclo de palestras. Fechou contratos milionários com Submarino e Americanas.com. Aparentemente, o dinheiro jorra quando as palavras minguam.Nunca mais falou comigo. Diz que não tem tempo a perder com prolíficos retrógrados (acho que quis dizer “prolixos”). Sua última “criação” é o blog interativo, que vai dar a não-palavra aos não-leitores. Ouvi dizer que vai ser ainda mais enxuto que os três pontinhos. Vai ter apenas um título: “:”. Isso mesmo, “dois pontos”. E aí as pessoas não falam o que bem não entenderem. Minha vingança é dizer que há de chegar o dia em que tudo isso terminará com um simples e lacônico “ponto final”. Só não sei se as pessoas vão ter saco pra ler.
Fn