
No início, havia o medo. Sempre juntos, longos
dedos tateavam as trancas; perdidos olhos,
dezenas, centenas, aos pares vasculhavam
um só vazio; ainda assim, o medo sobrevivia.
Ensaiaram cânticos à manhã que se abria,
adoraram o sol, que naquela terra
tarde se deitava.
Era esse o juramento: podiam ser muitos,
mas estariam sempre juntos, ouvindo vozes,
saboreando sorrisos, atentos um à respiração
do outro. O medo, todavia, lá estava
a marcar presença.
Legítimo e doce temor,
posto que unia.
Depois, ninguém sabe dizer quando nem
por quê, perceberam que um deles só se via
quando o outro olhava. E o "estar-perto"
começou a afastá-los.
O sorriso já não era o mesmo;
as vozes, de muitos, calavam a noite;
valia mais o olhar do outro
que a singela alegria de ver-se-vendo.
Foi então que o vazio deu lugar
ao chão de estrelas, e o medo cedeu
à valentia.
Hoje, poucos recordam que houve
um início; mesmo esses, os que não se
arrogam, ignoram se devem temer
um futuro incerto ou lamentar o
passado perdido para sempre.
Assobiam um jingle do comercial da TV
e vão em frente, não há mais
em quem se agarrar.