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Ok?

domingo, 14 de junho de 2009

Senhor do Acaso

Retirar de uma pessoa a responsabilidade pela sua própria vida, atribuir a deus, qualquer que seja ele, o poder de mudar o destino de alguém, eis aí a mais assassina de todas as fantasias.

Mathias e Johan, dois amigos - um brasileiro, o outro austríaco -, marcaram viagem Rio-Paris, no voo 447 da Air France, domingo, 31 de maio, saída do aeroporto Tom Jobim, às 19:00 h. Iam por motivos diferentes: Mathias a trabalho; Johan de mudança. O primeiro ficaria na casa do segundo, uma semana, quinze dias no máximo.
Personalidades distintas, Mathias era superorganizado e, por incrível que pareça, não se cansava de combater o desleixo, a irresponsabilidade, a inconsequência do amigo austríaco, famoso bon vivant. No dia da viagem, não deu outra: Mathias saiu cedo, Johan em cima da hora. Cada um pegou um táxi, moravam em bairros distantes. O táxi de Mathias ia tranquilo; o de Johan voava, a pedido do "alemão". Na saída do túnel, quatro supostos assaltantes meteram um 38 na cara do motorista do táxi em que Mathias viajava. Não era pra reagir, ninguém pensava nesta hipótese, mas o destino, ah, o destino, apertou o gatilho e o suposto homicida matou na hora o pobre do motorista. Mathias fez de tudo para reanimá-lo. Quando viu que não tinha mais jeito, chegou a pensar em correr atrás do autor dos disparos, não havia nem sinal dos bandidos. Juntou gente, os carros pararam, o trânsito parecia aquele das seis da tarde de uma quinta-feira, véspera de feriadão. Finalmente, chegou a viatura policial e levou Mathias, a contragosto, é claro, para a delegacia. Foi ele e mais uma meia-dúzia de motoristas que assistiram ao assalto seguido de morte. Pelo celular, avisou à mãe e ao amigo Johan o que tinha acontecido.
Como dá para concluir, o metódico Mathias perdeu o voo. O maluco do alemão viajou sem o amigo. O destino, mais uma vez o destino...
Quando todos perderam as esperanças de encontrar sobreviventes na queda do 747 da Air France, a mãe de Mathias chegou a murmurar para o filho, ainda em estado de choque: "Foi Deus, foi Deus quem te salvou, meu filho..."
Mathias ficou olhando a mãe, que rezava com um terço nas mãos. Pensou em perguntar: "Deus me salvou e matou o pobre do motorista do táxi, meu amigo Johan e as outras 227 pessoas a bordo do Airbus?" Não disse nada, concluiu que é impossível argumentar contra milênios de crendice. O medo sempre fala mais alto que a razão.

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