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sexta-feira, 16 de outubro de 2009

In Transe

* Imagem:  http://quizilla.teennick.com/user_images/L/LA/LAD/LadyTigerEyes/1129934546_zraveneyes.jpg

Vazias entranhas
mente oca
o definitivo
aqui jaz
perdido


Sem tempo
para cortar na superfície
resta o limo
a ferrugem
aridez petrificada
escavar
não leva a nada

Uma nesga na janela
o espanto via
luminosa quentura
cor
de sangue afetuoso

Lá fora
a revolta
soa à surda revoada:

"Se não me querem assim,
sem mim não me terão. "
                                                                                                                 
                                                MULTIMÍDIA
                                                        fn

Um jovem artista peruano, desses que hoje são chamados de multimídia, participou de uma exposição no IV Salão de Arte Moderna, em Cuzco. Como era descendente legítimo do povo inca, teve direito a regalias, tanto no espaço quanto nos recursos disponíveis. O programa esclarecia que a performance seria realizada uma única vez, na abertura do evento.
Seus, digamos, trabalhos foram exibidos para o público em três salas.
Na primeira delas, um telão mostrava entrevistas de inimigos e desafetos declarados do referido artista. Uma dúzia de pessoas, de nacionalidades diversas, prestavam depoimentos sobre sua vida e obra, mostrando objetos, ridicularizando trabalhos e outras instalações e performances anteriores. Como eram inimigos, é claro que prevalecia a crítica, não raro, contundente, ácida, até ofensiva e grosseira.
Na segunda sala, um outro telão exibia as entrevistas de fãs e amigos do jovem peruano. Neste caso, foram selecionados uma dúzia e meia de depoimentos, todos elogiosos ao extremo, haja vista que partiam de admiradores. A linguagem dos dois vídeos era a de câmera na mão, closes em pedaços do rosto, planos enviesados, imagens tremidas.
Na terceira sala era o próprio artista que aparecia em vídeo. Dizia-se insatisfeito com a vida que levava e com a obra que construía. Lamentava a falta de recursos, a alienação das grandes massas, a indiferença da mídia, entre outros temas.
Em dado momento, sem que o público esperasse, o jovem na tela aponta uma pistola para a própria boca e dispara. O vídeo termina com a imagem freezada do sangue que, de imediato, começa a se espalhar ao vivo pelas paredes, chão e teto da terceira sala da instalação.
Aquilo foi um verdadeiro escândalo. Senhoras desmaiaram, crianças gritavam, funcionários corriam para limpar o "sangue" que jorrava e encharcava a roupa dos visitantes, um caos sem precedentes na pacata e histórica Cuzco.
Ninguém esperava que, na sala contígua às três destinadas ao multimídia, ele em pessoa viesse dar explicações. Revelou que sua "morte" era tão falsa quanto os depoimentos, uma vez que amigos e inimigos tinham trocado de papéis. Assim, os "inimigos" do primeiro vídeo, que o criticaram acerbamente, na verdade eram seus amigos e admiradores, enquanto aqueles que não apreciavam o seu trabalho o elogiaram com entusiasmo na segunda sala, tudo isso, é claro, de acordo com um roteiro pré-estabelecido e sigiloso. O "sangue"? Uma mistura de água com o velho e bom ketch-up.
O "suicídio", na concepção do multimídia, nada mais era do que uma denúncia contra a hipocrisia e a formalização nas relações interpessoais.

A performance correu mundo. Da Alemanha, vieram aplausos contidos; da França, o artista recebeu efusivos cumprimentos por sua total originalidade; da Tailândia, chegaram algumas dúvidas quanto ao que chamavam de "incentivo à agressividade latente em nossos dias"; da América, o jovem artista recebeu propostas milionárias para novas experiências com a arte globalizada.
Em Cuzco, o alcaide cogita erguer para ele uma "estátua holográfica" (embora não saiba direito explicar o que é isso), em agradecimento ao que o jovem fez pela divulgação da cidade, com reflexos no futuro incremento do turismo na região.
Os críticos, que escrevem para os velhos jornais impressos, informam que o artista revolucionário desapareceu na Cordilheira, "de onde nunca deveria ter saído". Mas essa é uma outra história, que não vem ao caso...


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