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terça-feira, 1 de dezembro de 2009

A Cauda da Formiga


Novo post em Psicografia: 4/12/09 www.liquidacaodeneuronios.blogspot.com 

 
 Dizem os antigos que os problemas surgiram quando as mensagens passaram a engarrafar na Rede. Naquela época estavam todos conectados, cada um com seu respectivo chip-inside. A coisa funcionava de modo a garantir a estabilidade e, ao mesmo tempo, proporcionar uma sensação de mudança, de que algo novo e prazeroso estava sempre acontecendo. O mais popular de todos os programas era o telempatia, através do qual as unidades reagiam com alegria ou ausência a um determinado estímulo, uma vez que já estava descartada a agressividade. Como haverá sempre os do contra, até mesmo estas sensações de mudança e prazer eram combatidas, porque, diziam eles, "deveria haver uma realidade dura e imutável por baixo daquela capa fantasiosa."
Não vejo como alguém possa imaginar uma realidade por cima da outra. Parece aquelas imagens de corpos sobrepostos - sôfregos, esfomeados - que nos enviam de um passado ainda mais remoto, sabe-se lá com que interesse.
 Outra coisa que me intriga é por que os do contra resolveram ser do contra. Se estão bem, se têm a sua cota de prazer liberada, por que diabos têm que se preocupar com as camadas da realidade? Ninguém lhes tirou a percepção, não desativaram o telempatia, então vá entender o que leva essa gente a inventar teorias, a descobrir um outro mundo que não lhes pertence.

Seja como for, dizia eu, os problemas surgiram com o engarrafamento na Rede. Os pensamentos passaram a ter vida própria, não mais reagiam aos estímulos e desestímulos. Adquiriam alguma forma física e a partir daí começavam a ocupar um espaço precioso, acima de nossas cabeças. Quer dizer, alguns acima; outros bem abaixo.

Não se sabe ao certo como aconteceu, mas um dia, alguém acordou, parece que era uma eleita do sexo feminino, e não obteve nenhum sinal, nenhuma mensagem. Estavam mudos para ela. Sei que vivemos em outra época, que nada mais tem a ver com esses pequenos problemas que atormentaram nossos ancestrais, sei também que é difícil para todos vocês imaginar o que lhes conto, mas façamos um esforço, um esforço conjunto, quanto mais não seja, ao menos por amor à história, ou à pré-história, sei lá...

 Mudos, sistema e programas não tinham como alimentá-la com as doses de prazer, nem com a percepção de mudança, que já naqueles dias regulavam a vida em sociedade e nos guiavam para a recusa do erro. Pensam que ela, a eleita, se desesperou de alguma maneira? Imaginam que tenha se assustado com a forma física e, provavelmente, repugnante de alguns de seus pensamentos? Pois estão enganados. Eu lhes garanto que nada disso aconteceu. O que ela fez foi subir para os espaços coletivos - sim, naquele tempo ainda havia espaços coletivos, alguns de bom tamanho - e passou a produzir pensamentos em escala cada vez maior e com mais rapidez. Atraiu sem dúvida a atenção de muitos que por ali gravitavam, mas não a ponto de provocar distúrbios, pois nem todos chegaram a ser atingidos no primeiro dia.

Consciente ou não, foi essa unidade, com seus pensamentos à mostra, quem iniciou oficialmente a era do descontrole. Acho que não é difícil imaginar o que significa agir sem o auxílio da Rede, e ainda por cima levar consigo os pensamentos, palpáveis pensamentos, com peso, tamanho, cor e cheiro para qualquer lugar aonde se ia. Alguns, de tão grande, não entravam nos alojamentos; outros conflitavam com os de unidades diversas. Houve, é claro, muita ira, discórdias, alegrias, tristezas e, o que é pior, um incompreensível congraçamento entre as unidades pensantes.
O pensamento de uma chip-inside feminina podia ser visto e sentido por um chip-inside masculino, e parece que só isso serviu para reacender primitivos procedimentos.

As unidades foram pouco a pouco se acostumando a viver sem a sensação de estabilidade e sem as cotas de prazer. A Rede, tal como estava naquele momento, de nada nos servia. Contam que certas unidades chegaram mesmo a questionar os critérios de eleição. Queriam saber se era possível examinar a cavidade craniana através de alguma tecnologia. Só não o fizeram por temer as consequências, tanto as físicas quanto as que poderiam sobrevir após a reconfiguração da Rede.
Como era de se prever, os do contra viram aumentar enormemente sua popularidade. Dotados de uma natural propensão à desobediência e encorajados pelo tal congestionamento da Rede, ensaiaram uma volta ao passado, quando cada um podia dispensar a estabilidade e receitar para si mesmo a cota de prazer que bem desejasse. Foi uma anarquia sem limites, daí a denominação "era do descontrole". Deletaram a matriz do telempatia; orientaram as unidades a pensar de maneira organizada, de modo que os pensamentos com formas físicas semelhantes fossem agrupados em grandes recipientes, que chamaram de servidor-mãe; apoderaram-se dos comandos e passaram eles mesmos a ditar as regras daquele novo-velho-jogo.
Digo isso porque há registros de que nos primórdios, séculos e séculos atrás, talvez milênios, também imperava a anarquia, o individualismo, tal como na "era do descontrole".

Minha sabedoria para por aqui. Muito tempo se passou e uma boa parte dos proto-arquivos foram na época deletados por esses do contra, no exato momento em que a Rede se reconfigurou e assumiu para sempre seu papel de guia do bom senso e provedor da concórdia. Não se sabe o que foi feito com os pensamentos físicos. Alguns dizem que os do contra atearam fogo aos servidores; outros acreditam que a Rede os confinou em um lugar inacessível e que lá, finalmente, apodreceram.
 De qualquer forma, se alguém tiver interesse, sempre é possível consultar o museu da Rede e obter informações completas. Creio que de nada adiantará. Eu mesmo fui ao museu várias vezes, antes de completar esta pesquisa e o máximo que consegui, ao digitar numa daquelas máquinas paleozóicas, foi uma mensagem absolutamente incompreensível para todos nós:

Alguma gata a fim de tc?


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