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Ok?

sexta-feira, 29 de março de 2013

SEGUNDOS

Fn

H: "Tá sentindo o quê?"



M: "Como assim? Não tô sentindo nada."



H: "Agora que ele se foi, não sente um pingo de remorso, de arrependimento?"



M: "Por que sentiria? Não fui culpada de nada, não fui que o matei, nem houve assassinato algum. Se você veio aqui pra me acusar...



H: "Desculpe, não é isso, não quero te acusar de nada."



M: "Então o que veio fazer aqui, Ramon? Tripudiar sobre a minha dor?



Ramon: "Primeiro, não acho verdadeira essa dor que você agora diz que sente, mas isso não vem ao caso. O que me trouxe aqui foi uma curiosidade, mais que curiosidade, um desejo incontrolável de invadir a alma humana e, se puder, iluminar os cantos mais obscuros, entendeu você?"



M: "O que você quer saber afinal?"



Ramon: "Quando recebeu a notícia, não se sentiu aliviada, Cris? Nem um pouquinho?"



Cris: "Você é engraçado. Nunca se importou com meus sentimentos, agora parece que está mudado. Qual a razão da pergunta, senhor R.?"



Ramon: "Ele era o único que sabia de tudo a seu respeito, mas nunca disse nada a ninguém. Talvez você não tivesse mesmo com o que se preocupar, mas certeza desse silêncio só agora que ele está morto, vai negar?"



Cris: "Bobagem... Quem garante que não escreveu uma carta e enviou para alguém que só deveria abrir depois da sua morte. Acho que estou entendendo, é por isso que você está aqui."



Ramon: "Fique tranquila, não sei de carta nenhuma. Ainda que soubesse não viria aqui te torturar, não é essa a minha intenção, parece que depois de tanto tempo esqueceu de quem eu sou."



Cris: "Então fala de uma vez, o que é que você tá querendo?"



Ramon: "Quando alguém morre e leva um segredo para o túmulo, aquele que se beneficiou com o silêncio tem o direito de ficar feliz com a morte do outro? E, mais do que isso, quando alguém pode evitar a morte do outro, mas não o faz, não move uma palha, por interesse próprio, esse tipo de atitude, eu sei que ninguém pode ser condenado por ela, mas..."



Cris: "Se não há condenação, não houve crime. Caso encerrado, Ramon. Esquece isso.



(Pausa. Os dois passam um tempo olhando um para o outro. Cris desvia os olhos)



Cris: "Quero a verdade, por que resolveu voltar assim tão de repente?"



Ramon: "Coincidências acontecem. Tava passando... Mas sei que você não vai acreditar, como também não levou a sério a minha pergunta."



Cris: "Que pergunta?"



Ramon: "Tá vendo? Já esqueceu... Queria saber se você se sentiu culpada depois que Cláudio se foi. Sei que não teve nada a ver com o que aconteceu, mas se alguém morre e a gente se sente aliviado, de certa forma acho que somos cúmplices, entende?"



Cris:  "Nem tudo na vida precisa acabar do mesmo jeito que começou, Ramon Dias."



Ramon: "Entendo, começou com amor, desejo, traição... Não precisa terminar com ódio, indiferença e morte. Você e Cláudio, foram ou não felizes durante um tempo?



Cris: "Felizes? Só me lembro dele depois da infelicidade. O pior algoz é aquele que te manda por sedex uma caixa de bombons envenenados, junto com um cartão de feliz aniversário e muitos anos de vida."



Ramon: "O que quer dizer com isso?"



Cris:  "Nada. Mas pense bem, quando um engana o outro os dois saem enganados, parece óbvio, mas é difícil tirar as conclusões do que isso significa. Não recebeu nenhuma carta de Cláudio, contando aquelas coisas que você acha que sabe, Ramon? Talvez um dia receba a minha, contando outras verdades, que você nem imagina."



Ramon: "Que tipo de verdades?"



Cris:  "Vou te dar só um exemplo: nunca se perguntou por que alguns inimigos de Cláudio sumiam de uma hora pra outra? Principalmente aqueles da 'empresa' que ele achava que viviam me cantando, nunca pensou nisso, Ramon?" 



Ramon: "Agora você deu um nó na minha cabeça."



Cris: "Já é alguma coisa, pra quem chegou tão cheio de certezas."



Ramon: "Acha que preciso pedir desculpas pelo que disse?"



Cris: "Esquece. Basta entender que seu amigo de infância não era o herói, nem eu a bandida da história. Todo bom espião aprende a instalar câmeras e microfones, colar chips nos carros, rastrear o inimigo, essas coisas dos filmes. Só que às vezes nem imaginam que há outros espiões fazendo o mesmo."



Ramon: "O que falou sobre sua vida com o Cláudio muda muita coisa do que eu pensava, mas acho que nunca vou saber dos detalhes, não é?"



Cris: "Nem eu sei de todos... Somos coadjuvantes, meu amigo, segundos fora, como diziam nas lutas de box."


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