H: "Tá
sentindo o quê?"
M:
"Como assim? Não tô sentindo nada."
H: "Agora
que ele se foi, não sente um pingo de remorso, de arrependimento?"
M:
"Por que sentiria? Não fui culpada de nada, não fui que o
matei, nem houve assassinato algum. Se você veio aqui pra me
acusar...
H: "Desculpe,
não é isso, não quero te acusar de nada."
M: "Então
o que veio fazer aqui, Ramon? Tripudiar sobre a minha dor?
Ramon:
"Primeiro, não acho verdadeira essa dor que você agora diz
que sente, mas isso não vem ao caso. O que me trouxe aqui foi uma
curiosidade, mais que curiosidade, um desejo incontrolável de
invadir a alma humana e, se puder, iluminar os cantos mais obscuros,
entendeu você?"
M:
"O que você quer saber afinal?"
Ramon: "Quando
recebeu a notícia, não se sentiu aliviada, Cris? Nem um pouquinho?"
Cris: "Você
é engraçado. Nunca se importou com meus sentimentos, agora parece
que está mudado. Qual a razão da pergunta, senhor R.?"
Ramon: "Ele
era o único que sabia de tudo a seu respeito, mas nunca disse nada a
ninguém. Talvez você não tivesse mesmo com o que se preocupar, mas
certeza desse silêncio só agora que ele está morto, vai negar?"
Cris:
"Bobagem... Quem garante que não escreveu uma carta e enviou
para alguém que só deveria abrir depois da sua morte. Acho que
estou entendendo, é por isso que você está aqui."
Ramon: "Fique
tranquila, não sei de carta nenhuma. Ainda que soubesse não viria
aqui te torturar, não é essa a minha intenção, parece que depois
de tanto tempo esqueceu de quem eu sou."
Cris: "Então
fala de uma vez, o que é que você tá querendo?"
Ramon: "Quando
alguém morre e leva um segredo para o túmulo, aquele que se
beneficiou com o silêncio tem o direito de ficar feliz com a morte
do outro? E, mais do que isso, quando alguém pode evitar a morte do
outro, mas não o faz, não move uma palha, por interesse próprio,
esse tipo de atitude, eu sei que ninguém pode ser condenado por ela,
mas..."
Cris: "Se
não há condenação, não houve crime. Caso encerrado, Ramon.
Esquece isso.
(Pausa.
Os dois passam um tempo olhando um para o outro. Cris desvia os
olhos)
Cris: "Quero
a verdade, por que resolveu voltar assim tão de repente?"
Ramon:
"Coincidências acontecem. Tava passando... Mas sei que você
não vai acreditar, como também não levou a sério a minha
pergunta."
Cris: "Que
pergunta?"
Ramon: "Tá
vendo? Já esqueceu... Queria saber se você se sentiu culpada depois
que Cláudio se foi. Sei que não teve nada a ver com o que
aconteceu, mas se alguém morre e a gente se sente aliviado, de certa
forma acho que somos cúmplices, entende?"
Cris: "Nem tudo na vida precisa acabar do mesmo jeito que
começou, Ramon Dias."
Ramon: "Entendo,
começou com amor, desejo, traição... Não precisa terminar com
ódio, indiferença e morte. Você e Cláudio, foram ou não felizes
durante um tempo?
Cris: "Felizes?
Só me lembro dele depois da infelicidade. O pior algoz é aquele que
te manda por sedex uma caixa de bombons envenenados, junto com um
cartão de feliz aniversário e muitos anos de vida."
Ramon: "O
que quer dizer com isso?"
Cris: "Nada.
Mas pense bem, quando um engana o outro os dois saem enganados,
parece óbvio, mas é difícil tirar as conclusões do que isso
significa. Não recebeu nenhuma carta de Cláudio, contando aquelas
coisas que você acha que sabe, Ramon? Talvez um dia receba a minha,
contando outras verdades, que você nem imagina."
Ramon: "Que
tipo de verdades?"
Cris: "Vou
te dar só um exemplo: nunca se perguntou por que alguns inimigos de
Cláudio sumiam de uma hora pra outra? Principalmente aqueles da 'empresa' que ele
achava que viviam me cantando, nunca pensou nisso, Ramon?"
Ramon:
"Agora você deu um nó na minha cabeça."
Cris:
"Já é alguma coisa, pra quem chegou tão cheio de certezas."
Ramon: "Acha
que preciso pedir desculpas pelo que disse?"
Cris: "Esquece.
Basta entender que seu amigo de infância não era o herói, nem eu a
bandida da história. Todo bom espião aprende a instalar câmeras e
microfones, colar chips nos carros, rastrear o inimigo, essas coisas
dos filmes. Só que às vezes nem imaginam que há outros espiões
fazendo o mesmo."
Ramon: "O
que falou sobre sua vida com o Cláudio muda muita coisa do que eu
pensava, mas acho que nunca vou saber dos detalhes, não é?"
Cris: "Nem
eu sei de todos... Somos coadjuvantes, meu amigo, segundos fora, como
diziam nas lutas de box."