atebrreve@gmail.com

Ok?

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

RATTUS NORVEGICUS


Abriu a gaveta das calcinhas e deu de cara com uma ratazana no meio da roupa. O bicho se assustou, tentou se esconder. Quando viu que não tinha saída, moveu os bigodes e sorriu para ela.
Estela fechou rapidamente a gaveta e se jogou na cama. Chorou, gritou por socorro, xingou o rato e a vida de tudo que é nome. Pouco depois já não sabia se aquilo tinha sido real ou se era apenas uma lembrança, cena de um antigo filme do cinema catástrofe.
Ficou um tempo deitada de bruços, agarrada ao travesseiro. Soluçava baixinho, mais pra mostrar ao improvável rato que tinha alguém ali com medo dele.
Atenta a cada ruído no quarto, Estela deixa que as lembranças passem diante de seus olhos arregalados. Só coisas boas, seleciona.
Lembra de quando ganhou o “Miss Peitinho Café Paris”, isso em mil novecentos e ... não faz tanto tempo assim.
Entregaram para ela uma garrafa gigante de champagne e ela fez como os pilotos no podium.
Depois foram jantar. Um corretor da bolsa pagou tudo. Estela deixou, deixava sempre.

Alguns anos mais tarde, numa noite fria, um dos membros do júri veio visitá-la. Conversaram, tomaram café, o quarto não era esse, nem de longe.

O sujeito era parecido com o tal corretor da bolsa de valores. Enquanto conversavam, olhava com insistência para a blusa de Estela.
Não aguentou e pediu para ver novamente os grandes vencedores do mais famoso “Miss Peitinho” de todos os tempos.
Estela não se sentiu ofendida, nem um pouco. Abriu a blusa.
O sujeito olhou, tinha um palito de fósforo no canto da boca – isso Estela jamais esqueceria.
O corretor não reagiu com piedade, mas com um certo fastio e disse: “São como as ações da bolsa. Um dia, acabam caindo...”
Já estava de costas, segurando a maçaneta da porta, quando Estela perguntou: “E a tua mulher? Aquela tal de Vanda ou Dalva, nem me lembro mais...  Aquela, que todo mundo dizia que nem bunda tinha.”
Nem teve tempo de sorrir. Até parece que o corretor adivinhara a pergunta. Virou o rosto um pouco antes, cuspiu o palito e respondeu: “Morreu, se matou...”

Se matar, é o que Estela quer.


Não é mística nem nada, mas tem certas coisas que só acontecem com a mão de Deus. Ouve um ruído, alguém enfia um panfleto por baixo da porta. Estela se abaixa e pega, parece mentira:




    PULGAS, BARATAS, RATOS 
 E OUTROS INCETOS?

  VENENO TIRO E QUEDA
       50% DE DESCONTO NA APRESENTAÇÃO DESTE.



Estela abre a porta, disposta a esclarecer que rato não é inseto. Lá está o ex-corretor com seu paletó surrado, o olhar triste na direção do quarto, que agora é este.

“Para algumas coisas na vida, esse tipo de homem ainda vale alguma coisa”, pensa Estela. Ratos e solidão?
Não quer dar o braço a torcer. Olha o sujeito de alto a baixo e diz:
“Você de novo, Petrarca? Entra...”

Seguidores

Arquivo do blog

Ahn...?

Minha foto
Filial do Eu, Liquidação de Neurônios, Churrascaria Almaminhadealcatra Dúvidas, críticas, reclamações, elogios? atebrreve@gmail.com