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Ok?

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Cenas Soltas

Fn

Eu me lembro de você olhando o rio, sentada na pedra, vendo a água espumosa passar. Nesse tempo, aquilo não era nada pra nós dois. Não devia ser mesmo, pois a única imagem que guardei foi a de seu rosto alegre, impresso nas águas que o rio levava sem descanso. Aqui cabe um parêntese, uma pincelada a mais se for caso: o rosto era alegre, não deixava de ser, mas sempre que percebias alguém te observando, o sorriso ia aos poucos se desfazendo e teus lábios finos cerravam-se para dar lugar a uma certa amargura. Talvez cerrasse os lábios para não deixar escapar a amargura lá de dentro. Nunca entendi, dizia eu, não há o que entender, disse você, numa única e definitiva resposta.
Não sei se foi nessa época, ou alguns anos depois, mas de repente você passou a não comentar as coisas simples. A que horas acordou, já tomou seu café com leite, pretende sair apesar das nuvens negras? Andava solta, desgarrada, seus pés mal tocavam o chão enlameado. A chuva caía sem cessar nas tardes de verão. Longos raios iluminavam o celeiro, o vento abria portas e escancarava janelas, desnudando almas temerosas. É perda de tempo descrever com palavras o que nos rasga a pele e fere os olhos, você dizia. Capte o que há de novo no horizonte, além da cordilheira azulada. Talvez tenha eu até certo ponto acreditado, pois desde então passei a esmiuçar os intentos, seus e de quem você esmiuçava, a destravar um simples olhar que parecia a mim destinado, para ver se não seria mais uma vã tentativa de dissecar esse mundo tão solene. Em que momento o riso testemunha alegria ou desprezo, sem sair de seu rosto? Coisa sem importância, no seu calar enigmático. Um não-julgar acima de tudo.
Foi contigo que aprendi que uma ideia não se engrandece ao desmerecer sua oponente. Ao contrário, só é forte aquela que consegue se afirmar em presença de opositoras igualmente respeitáveis.
Não sei se a liberdade era o que tanto procuravas, talvez mais a ideia dela, como a ideia de todas as coisas. Para elas é que muitos acreditam viver.
Um dia, não faz muito tempo, me escreveste para lembrar que não há tristeza em caminhos que se bifurcam, um voo não se mede em distâncias, mas sim pelas asas que sonhamos ter, guardei com carinho essa lembrança, ao lado de teu rosto acompanhando o rio, vendo passar a água que se foi.

(http://liquidacaodeneuronios.blogspot.com - Psicografia: nova postagem no final do texto: 26.12.2009)  
(Tbm tem a apção "solta o verbo": http://filialdoeu.blogspot.com )

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