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Ok?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Sombrios Corredores



Os lá debaixo reclamam que não há mais espaço no mundo, que já ocuparam todos os lugares, isso bem antes que seus avós brotassem na superfície do planeta.
Dizem, coitados, que só têm a mim - o que muito me enternece. Depois, cobram, reclamam desempenho, pedem que eu não me deixe iludir por uma autoimagem sedutora, de fraqueza ou desamparo. Recomendam cuidado. Na minha alucinação, por pouco não lhes pergunto se devo ler Nietzsche.
São vozes que gritam em coro, saídas de um buraco qualquer, um canto obscuro, que nem eu mesmo sabia existir dentro de mim.

Quando procuro ouvir
o puro som das sílabas,
fazem que se misturam
ao farfalhar do vento,
ao agudo de um pensamento.
Um bando disforme, é o que são...
Sem nexo e sem propósito,
como um sonho de sonhar a noite.

Olhos semicerrados, tento esconjurá-los, mas já não são eles que me perguntam:

Onde foi que enfiaste o orgulho?
Desde quando te acostumaste a deixar
que te cuspissem na cara
e ainda esfregassem nos teus olhos
esse pedido de perdão mal-ajambrado?”


Estes não estão lá embaixo. Suponho que se julgam acima da minha própria cabeça. Ordenando, interrogando, lançando fogo em dardos, balas perdidas, embora adocicadas, a vida desprezada, que há de magoar, injuriar, amedrontar sobretudo.
Finjo que não os ouço, é claro. E não os ouvindo, deixo suas perguntas golpeando minhas têmporas. Sem piedade, usam a bigorna e o martelo para me estilhaçar artérias e ossos. Trazem à tona mil-e-um exemplos e recordações sumárias. Secos, fazem explodir o remorso, um vago arrependimento, primo-irmão de qualquer medo.
Talvez por isso se achem no direito de me dominar e dizer o que devo ou não devo lembrar.

É um travo antigo,
esse iludir o inimigo.

O terceiro círculo paira entre nuvens que me embaçam a
vista. Falsetes, vozes finas, afiadas, qualquer um pode jurar que é o deboche que lhes move a funda. Põem-se uns contra os outros e todos, evidentemente, contra mim. Riem alto, escarnecem da mais pura das minhas ideias. Confessam que não têm lugar certo para morar. Pode ser um ponto microscópico atrás da cegueira, memória perdida, abandonada em alguma esquina, chamuscada e torpe.
Também dançam e gritam, frases soltas cortam a madrugada, como o frio pontudo dos maus presságios. Por tudo isso venho a cair naquele estado de seminconsciência lúdica.

Aterrado, quase acordo em sobressalto. Agora juntam-se os três – um de cada grupo: os lá debaixo, os que estão acima da minha cabeça e aqueles que se perderam na esquina que acabamos de transpor. E dizem:

Acreditas
que somos todos um só?
Um só desejo, uma só voz?
Pois estás muito enganado!
Tudo isso que pensamos,
alguém certamente,
um dia,
já disse melhor do que ti:
Nenhum eco é dono
do seu próprio rumo”

Nessa hora, indefinida, me ouço murmurar:
O diabo é nunca ter em quem se mirar”

Mais que depressa, recebo de volta:
Por não saber escolher ou não querer encontrar”

Voltam as primeiras vozes, me adulam, pedem que eu seja “a voz de todas as vozes”. As outras riem e seus risos sangram-me as palavras.

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