Fn
A primeira cena da peça é na esquina de duas ruas, onde há um sinal de trânsito. Um homem vem caminhando pela calçada. Um pouco antes do cruzamento, abaixa-se e pega alguma coisa no chão. É uma moeda, que ele limpa e coloca no bolso do casaco. Continua caminhando, mas logo é abordado por uma mulher que lhe pede ajuda. Ela é jovem e bonita. É possível notar que possui traços finos e seus cabelos são bem cuidados. Tudo isso sobressai, em constraste com suas vestes andrajosas.
O homem nega a ajuda. A mulher insiste e ele diz que não tem dinheiro, nem um centavo. A mulher o interpela com um risinho debochado no canto da boca. Diz que viu o homem se abaixar e pegar uma moeda do chão, “como é que não tem?”, indaga. O homem responde que está certo, ele tem a moeda, mas não quer dar para ela.
(Mulher) - Posso saber por quê?
(Homem) - Não pode não... A moeda é minha, fui que achei. Não quero dar pra você, sou contra esmolas.
(Mulher) - Não quer devolver o que me roubou?
(Homem) - Como assim?
(Mulher) - Essa moeda é minha. Fui eu quem a colocou ali, só pra ver a reação de tipos como o senhor.
(Homem) - Ah, tá bom... Mais essa agora? Quer dizer que a moeda é sua? Deixou no chão para que eu a recolhesse e a partir daí pretendia estudar as minhas reações?
(Mulher) - Isso mesmo, tenho testemunhas.
(Homem) - A senhora o que é? Socióloga?
(Mulher) - Pesquisadora, estou sendo paga para ver quantas pessoas são egoístas, quantas são indiferentes e quantas são altruístas com a grana alheia. Vai devolver ou não vai?
(Homem) - Me cadastrou como quê? Indiferente?
(Mulher) - Munheca, mão-de-vaca... Queria o quê?
(Homem) - Nada, nada... Pega aí a sua moedinha e para de me encher o saco, madame pesquisadora.
O Homem mete a mão no bolso do casaco e retira algumas moedas. Escolhe uma e entrega para a mulher, que olha e reage, chamando de volta o sujeito, que já se afastava:
(Mulher) - Ei... Faça o favor, não é essa a moeda, tá querendo me enganar?
(Homem) - Não é o quê? Foi essa a moedinha que eu peguei no chão e que a senhora disse que era sua.
(Mulher) - Nada disso, senhor... Essa moeda é de um real, a que o senhor pegou no chão, e que me pertencia, era de um dólar!
(Homem) - Mas que dólar? Mendigo agora recebe esmola em dólares?
Um jovem casal se aproxima. O rapaz pergunta:
(Rapaz) - Dólares? Alguém falou em dólares?
(Moça) - Calma, amor. O dólar tá caindo, se ainda fosse euro...
Chega um grupo de mendigos, dois homens e uma mulher. Um dos homens diz:
(Mendigo) - Euro? Esse então... Tá descendo ladeira abaixo.
(Homem) - Temos aqui uma equipe de analistas econômicos?
(Mulher) - Não desconversa não... Eu quero a minha moeda de volta!
Um guarda se aproxima do grupo de pessoas e pergunta:
(Guarda) - Alguém perdeu esse Yuan? Achei caído ali na calçada.
(Mulher) - Seu guarda, prenda esse homem que roubou minha moeda de um dólar e não quer devolver. Esse Yuan também é meu, pode ir passando pra cá.
Homem faz sinal para o guarda, indicando que a mulher está louca. O guarda sorri e dá a entender que já sabe. Diz para ela:
(Guarda) - Vamos ali na viatura pra você tirar essa roupa de falsa mendiga. Depois vou te conduzir para a delegacia da mulher maluca.
Todos riem, a mulher protesta, mas acompanha o guarda. O homem pergunta ao grupo:
(Homem) - Que policial é esse? É da Guarda Civil?
(Mendigo) – Que policial coisa nenhuma, esse é o popular Marlon Brando, não viu que a farda dele é do exército americano? Fica por aí o dia todo, azarando umas e outras... Quase sempre dá certo.
(Homem) - E a pesquisadora? O que acontecerá com ela?
A moça balança a cabeça e diz com tristeza:
(Moça) - Isso, só Deus sabe...