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NA GANGORRA
ATO I
- E daí? Apertou o cara?
- Apertei.
- E ele?
- Rateou, Chefe.
- Rateou como?
- Não quis falar.
- E você? Apertou mais um pouco?
- Apertei, Chefinho. Mesmo assim ele não quis falar, ficou se esquivando.
- Se esquivando como?
- Nhem-nhem-nhem, hã-hã, hmm-hmm... essas coisas.
- E você?
- Perdi a cabeça, Chefe.
- Lurdinha?!
- Disse que se ele não falasse, a gente ia cortar a língua dele.
- E???
- Ele não falou, Chefe. Aliás, não falou e não fala nunca mais.
- Lurdinha, você arrancou a língua do cara?
- Eu não, Chefe. Ataíde se encarregou de tudo.
- E agora, Lurdinha? Ainda bem que o cara pode escrever...
- Pode não, Chefe. Ataíde também quebrou, triturou as duas mãos do coitado.
- Puta que o pariu, caralho!!! E agora, como é que vou fazer?
- Sei não, Chefe. Sei que o Ataíde mandou buscar a mulher do cara.
- Ainda bem... Ela sabia de alguma coisa?
- Se sabia, nem deu tempo de perguntar.
- Como assim, Lurdinha? Não me assuste...
- Chefe, sabe aquele jeito tarado do Ataíde? Pois é, se apaixonou à primeira vista pela mulher do cara.
- E ela?
- Era mais ou menos, nem muito gostosa nem mocréia total.
- Não foi isso que eu perguntei. Quero saber o que ela disse.
- Ah... Falou que jamais transaria com o Ataíde porque ele era feio demais. Feio por fora e mais feio ainda por dentro.
- Tem razão.
- Quem, Chefe?
- A mulher do cara, porra... Ataíde é o demo encarnado no belzebu.
- Não fala assim que ele pode escutar, Chefe. Vai que ele tá ali atrás da porta.
- Conta logo o que ele fez.
- Arrancou dois dentes da pobre, sem anestesia. Disse que o avô tinha sido prático e deixou de herança um boticão enferrujado.
- E a mulher? Não gritava?
- Gritava, chorava, esperneava, xingava... De nada adiantou. No final, Ataíde pegou um espelho, pôs bem na frente da cara dela, com o sangue escorrendo pelo queixo, e tripudiou: “Tá vendo agora quem é feio pra caralho?”
- E você, Lurdinha?
- Eu? Não me acho tão feia assim...
- Não é isso, porra... Perguntei o que você fez, o que sentiu, entendeu?
- Sabe, Chefe, às vezes sinto um pouco de medo do Ataíde.
- Um pouco???
- É, ele é meio intransigente, revoltado, sei lá...
- Essa é boa: “Intransigente, revoltado...” A violência do Ataíde não tem dinheiro que pague.
- Ah, por falar em dinheiro, o Ataíde me mandou aqui pra saber quando sai a grana, Chefe.
- Grana??? Vocês cortam a língua do cara, deixam a mulher desdentada, não descobrem porra nenhuma e ainda me falam em grana???
- Eu sei, Chefe... Também disse pro Ataíde que a gente fez errado, devia ter cortado a língua da mulher e arrancado os dentes do cara. Ela tá lá até agora, falando pelos cotovelos, enchendo os ouvidos do Ataíde, se é que ainda não aceitou as propostas dele.
- A desdentada? Ataíde gosta?
- Isso é bobagem, Chefe... Hoje em dia tem implante, prótese... Só doeu na hora de arrancar, mas ela é mulher e esquece rápido.
- Não ficou com ciúmes, Lurdinha?
- Do Ataíde? Só me faltava essa...
- Por que? Ele não é bom pra você? Ataíde te maltrata, Lurdinha?
- Só às vezes, mas não é nada como cortar a língua ou arrancar os dentes no seco
- Maltratar é sinal de carência. Não sabia que o Ataíde era assim
- Carente? Aquilo é um poço de ciúmes e desejos.
- Quando ele sente ciúmes de você o que é que ele faz, Lurdinha?
- Uma vez apertou meus biquinhos com a torquez.
- Uiiii...
- Não foi muito forte, nem chegou a sangrar, só doeu pra caralho.
- Você gritou de dor?
- Gritei, xinguei, chamei ele de filho-da-puta... Veio até vizinho bater na porta.
- E o Ataíde?
- Saiu só de cueca no corredor do cortiço, com a torquez na mão, perguntando com aquele vozeirão que o senhor já conhece: “Quê que foi? Nunca viram discussão de marido e mulher?” Todo mundo fugiu... hahaha
- Ciumento mesmo, esse Ataíde... De quem é que ele desconfiava, Lurdinha?
- Do senhor, Chefe.
- De mim??? Logo eu?
- Achava que o senhor tem muita intimidade comigo, talvez ainda ache, Chefinho.
- Poxa... Nunca houve nada entre nós.
- Só aquela vez, lembra?
- Certas coisas nem é bom lembrar... Vamos pôr uma pedra no passado, dona Lurdes. Agradeço muito a sua visita, mas tô precisando resolver uns problemas, sabe como é...
- E aquele negócio? Quê que eu falo pro Ataíde?
- Que negócio? Não me assuste, não me assuste...
- Calma, Chefinho... Tava falando da grana. O senhor vai pagar ou não vai?
- Tá aqui, dona Lurdes... Em dinheiro vivo. Entrega pro Ataíde e diz que eu agradeço muito. Quando precisar novamente, eu ligo pra ele.
- Tá certo, patrãozinho.
- Então, tá...
- Posso pedir só mais uma coisinha?
- Fala, dona Lurdes, mas seja breve, seja breve.
- Não conta pro Ataíde que o senhor me pagou, tá? Ele vai querer tudo pra ele e eu tô precisando de umas roupinhas, um sapatinho vermelho. Deixa que depois eu me acerto com ele, combinado?
ATO II
- Chefe, o senhor deu dinheiro pra aquela vaca?
- Como vai, Ataíde? Tudo bem?
- Deu ou não deu, Chefe? Com todo respeito...
- Dei, Ataíde... Ela jurou que ia dividir com você.
- Dividir comigo??? Aquela puta???
- Não fale assim, Ataíde. Afinal ela ainda é sua esposa.
- Esposa é o caralho, nunca me casei com a vagabunda, com todo respeito...
- Ah, bom...
- Bom, o quê?
- “Bom”???? Eu disse: “Ah, não?” Pensei que eram casados.
- Que importância tem isso agora, Chefe? Vai dizer que o senhor também comeu a infeliz?!
- Eu???? Logo eu???
- Já vi que comeu... Pois fique sabendo, se o senhor não tem a informação que pediu, agradeça a ela.
- À dona Lurdes? Como assim?
- Ela mesmo, a puta da Lurdinha enfiou um dedo no olho da mulher do cara, só por ciúmes. Doutor, mais um pouco e eu faço picadinho dessa piranha, espremo a Lurdinha toda na máquina de moer carne, começando pelo dedo mindinho, é só o senhor mandar.
- Eu??? Logo eu? Ataíde, não me diga que dona Lurdes cegou a outra...
- Digo e provo, vai lá no cafofo pra ver. Sorte da mulher que ficou só caolha. Ainda tive tempo de segurar a vaca da Lurdinha, antes que ela enfiasse os dedos nos dois olhos da pobre.
- E o cara, Ataíde?
- Bom, esse ficou por minha conta. Dei uns apertões, achei que não demorava muito e ele ia contar tudinho.
- Contou?
- Não deu tempo, chefe. Lurdinha pegou meu facão de cortar pau de vagabundo, puxou a língua dele pra fora e... slept, saiu com a língua na mão. O infeliz tá mudo para sempre.
- Lurdinha fez isso, Ataíde?
- Não só fez como ainda saiu rindo, vê se pode tanta crueldade...
- Até parece mentira.
- Tá me chamando de mentiroso, Chefe?
- Tô não... Deixa pra lá.
- Posso não... Se o senhor pagou a maldita, seu dinheiro foi pro ralo, entendeu?
- Entendi, Ataíde.
- Tá vendo a minha mão, abertinha aqui na sua frente?
- Tô vendo, Ataíde.
- Vou fechar os olhos pra não ver o senhor contando a grana, Chefe. Tem que ser pelo menos o dobro do que o senhor deu pra ela.
- Tá certo, Ataíde, tá certo... Me responde mais uma coisa.
- Pois não, Chefinho.
- Foi você que quebrou as duas mãos do cara?
- Isso foi, não posso negar.
- E por quê?
- Momento de fraqueza, Chefe. O cara tava olhando a bunda da Lurdinha e coçando os bagos. Daí quebrei as duas mãos pra ele nunca mais apalpar nada, principalmente os próprios colhões...
ATO III
- Chefe, tem um casal aqui embaixo querendo subir pra falar com o senhor.
- Quem são eles, Juvêncio?
- Sei não, doutor. A mulher usa um tapa-olho e põe um lenço na frente da boca; o cara não fala nada, parece que é mudo, e tá com as duas mãos engessadas. Ela diz que tem uma grana pra receber. Se o senhor não pagar, vai entrar no Pequenas Causas. Olha só, tá dizendo que vai tirar uma grana do senhor pra cobrir perdas e danos morais e materiais, já tem até adevogado, doutor.
- Tava demorando...
- Doutor, será que eles não são cúmplices dos outros dois? Juro que já vi os quatro juntos no Bar da Lili.
- Pode ser, nessa vida tudo é possível, Juvêncio...
- E então? Deixo subir?
- Deixa, Juvêncio, deixa... Aproveita e vem você também. Tenho umas gratificações pra acertar contigo, hoje é meu dia de carniça mesmo.
ATO IV
- Juvêncio?
- Não é Juvêncio, doutor. Juvêncio tá de folga, aqui é o Carlos Pereira, em que posso servi-lo?
- Centopéia?
- Ele mesmo, doutor... Mas aqui na portaria prefiro que me chamem de Carlos Pereira. Em que posso servi-lo?
- Porra, Centopéia... Que viadagem é essa de (falsete) “Em que posso servi-lo?”
- Eu vi na novela, doutor, o mordomo é que falava, achei bonito... é viadagem?
- Deixa pra lá, fala do jeito que quiser, mas me conta uma coisa, quem foi que deu folga pro Juvêncio?
- Ele mesmo, doutor. Disse que tava precisando fazer uns pagamentos, comprar umas coisas no shopping...
- Ah, é...? Agora até o Juvêncio vai fazer umas comprinhas no shopping?
- Sei lá, doutor... Parece que vai. Eu é que não quero saber de shopping, lá é caro pra caralho.
- Shhh... Olha o palavrão, Centopéia...
- Carlos Pereira, doutor... Em que posso...? Deixa pra lá.
- Tá certo, Carrrlosss Pereeeiraaa... Sobe aqui.
- E deixo a portaria sem ninguém, Chefe?
- Sobe aqui, tô falando...
- Licença, doutor...
- Entra. Senta aí.
- Em que posso...?
- Centopéia, sabe se o Juvêncio fez aquele trabalhinho?
- Sei não, Chefe. Parece que não deu tempo ou os caras sumiram... uma coisa dessas.
- Porra, é foda... Juvêncio te chamou pra ajudar na missão?
- Missão? Ahahaha... Essa é boa. Chamou, Chefe. Eu é que não tava a fim.
- Você já esteve em cana, Cento?
- Com o nome de Carlos Pereira, ainda não, doutor.
- E com outro nome? Já?
- Várias vezes.
- Que motivos?
- Quase todos por causa das marvadas, chefe.
- Que “marvadas”?
- Cachaça e mulher. Não combinam, doutor.
- Você enchia a cara, surrava as mulheres e depois ia em cana?
- Não é bem assim, chefe... Não é bem assim.
- ?
- Eu enchia a cara, chamava umas amigas pra tomar uns goró lá no cafofo, tá entendendo?
- Tô
- As muié não gostam disso, chefe. Bicho ciumento é mulher casada, né?
- Sei lá...
- Nunca foi casado? O senhor é gay, Chefinho?
- Que gay é o caralho! Que porra é essa, Centopéia?
- Não se ofenda... Hoje em dia não tem nada demais.
- Só se for pra você que não tem nada demais... Pra encerrar a conversa, quando o Juvêncio voltar manda ele vir aqui falar comigo.
- Tá certo, pode deixar.
- Me diga uma coisa, por que não aceitou o convite de Juvêncio? Ficou com medo do Ataíde?
- Medo? Eu??? Fiquei, Chefe... Ataíde é foda, aquele lá ninguém segura...
ATO V
- Entra, Juvêncio.
- Licença, Chefe. Mandou me chamar?
- Senta aí... Quero saber se você fez ou não fez o trabalhinho que te pedi?
- Aquele negócio de encher de porrada o Ataíde e a putinha?
- Não era pra encher de porrada. Eu disse pra você aplicar um corretivo, cor-re-ti-vo, entendeu? Depois, não chama a moça de putinha, não é justo.
- Entendi, Chefe. Só que “aplicar um corretivo” pra mim é a mesma coisa que “encher de porrada”.
- Tá bom, Juvêncio... E você surrou Ataíde e Lurdinha?
- Eu? Tá louco, Chefe? Olha o tamanho do Ataíde... Aquilo é uma jamanta turbinada, de quatorze eixos.
- Ouvi dizer que desde que inventaram o revólver e uma balinhas desse tamanho, valente é coisa do passado.
- Mas não era só pra “aplicar um corretivo”, Chefinho?
- Não fode, Juvêncio, que mania ...
- Ah... Chefe, por falar nisso, a mulher do Ataíde me chamou no canto e pediu pra eu dizer que precisa conversar com o senhor.
- Dona Lurdes?
- É, a Lurdinha, ou a Lu, ou Lulu... Diz que espera o senhor às sete no mesmo lugar de sempre.
- Que Lugar, Juvêncio?
- Eu é que vou saber? Boa sorte, Chefinho...
- Porra, mas eu só me ferro mesmo.
- Se quer um conselho, cuidado com Ataíde, Chefe. Aquilo é uma cobra coral com a força de duas sucuris.
ATO VI
- Chefe.
- Diga, Juvêncio.
- Não é Juvêncio, é Carlos Pereira.
- Diga, Centopéia.
- Tem uma moça aqui na portaria querendo falar com o senhor.
- Quem é?
- Aquela que o senhor chama de Dona Lurdes, diz que precisa muito falar com o senhor. Deixo subir?
- Tá sozinha?
- Sim.
- Tem certeza?
- Tenho... A não ser que tenha uns fantasmas escondidos na mala.
- Que mala?
- A mala que ela tá carregando, ué... Bem grandinha.
- Ai, ai, ai... Ela veio de mala e cuia?
- Só de mala, chefe. A cuia talvez mande buscar depois, ahahahaha...
- Engraçadinho, você, Centopéia. Diz pra dona Lurdes subir.
- Licença, Chefinho?
- Pode entrar, dona Lurdes. A que devo a honra de sua visita?
- Hmmm... Tá inspirado, Chefinho?
- Como vai o Ataíde?
- Nem me fale nesse cara. Não tenho mais nada a ver com ele. Posso sentar?
- Por favor...
- Essa mala tá foda de carregar. Até parece que cortei o Ataíde em pedacinhos e tô carregando ele aqui dentro.
- Dona Lurdes...
- Brincadeira, Chefinho... O Ataíde ainda está vivinho da silva, infelizmente.
- O que foi que aconteceu?
- Posso ficar à vontade? O calor já tá insuportável, mais ainda pra quem carrega um peso desses.
- Poder, pode, dona Lurdes. Mas ficar à vontade significa tirar a blusa?
- Quê que tem, Chefinho? Não gosta de ver? Acha feio?
- Não, não é isso... Muito pelo contrário.
- Ah, bom... Já tava desconfiada. Sabia que tem gente dizendo que o senhor é gay, chefinho?
- Foi o filho-da-puta do Centopéia? Só pode ter sido...
- Que Centopéia é esse?
- Deixa pra lá, Lurdinha.
- Por que não foi ao meu encontro?
- Você sabe que não posso me ausentar. Problemas, negócios...
- Não dava pra arrumar um tempinho? Ou não quer mais saber de mim? Se não quer, é só falar: eu pego a minha mala e...
- Não é isso, Lurdinha. Depois, o Ataíde pode aparecer e sabe como é...
- Sei não. Posso sentar no seu colinho?
- Poder, pode... Mas tem certeza que não foi seguida?
- Tá com medo do Ataíde, não tá, Chefe?
- Eu? Com medo??? Se me encher muito o saco, mato aquele filho-da-puta.
- Queria saber como?
- Como o quê?
- Como você vai matar um gorila do tamanho do Ataíde, se não pode nem se levantar dessa cadeira?
- Mando matar, Lurdinha. Esse sutiã não tá te incomodando?
- Tá, Chefe... Desabotoa pra mim?
ATO VII
- Chefe, tem umas visitas aqui querendo falar com o senhor.
- Não dá pra atender agora, Centopéia. Tô cheio de trabalho aqui, manda passar amanhã... ou depois.
- Não posso, Chefe. Os caras são tiras. O manda-chuva diz que veio a mando de um tal de Frank, já tão subindo...
- Com licença.
- Entrem, por favor.
- Vamos direto ao ponto: o senhor conhece Ataíde Inácio dos Santos?
- Conheço um Ataíde, mas não sabia que era Inácio dos Santos.
- Conhece, não.... Conheceu. O cara tá morto e o senhor é o principal suspeito do seu assassinato.
- Eu? Logo eu????
- Pois é... Jobim, mostra a gravação pra ele.
- Tá aqui, ouve só:
“Tá com medo do Ataíde, não tá, chefe?”
“Eu? Se me encher muito o saco, mato aquele filho-da-puta”
- Hehehe... Bravata, senhores... Como é que eu posso matar alguém se estou preso a essa cadeira pro resto da vida?
- Jobim, mostra a outra parte da gravação.
- Ok, lá vai:
“Como você vai matar um gorila do tamanho do Ataíde, se
não pode nem se levantar dessa cadeira?”
“ Mando matar, Lurdinha.”
- Foi dona Lurdes quem se encarregou da traição, não é? Pois fiquem sabendo que tudo isso não passa de uma armação. Dona Lurdes é a principal suspeita...
- Não pode.
- E por que não?
- Também tá morta. Encontramos a fita na bolsa da vítima, junto com um cartão com seu nome e endereço. Já temos até o nome de quem praticou o crime a seu mando, o disque-denúncia tá funcionando que é uma beleza. O senhor está preso, “Chefe”. Tem o direito de permanecer em silêncio, tudo que disser poderá ser usado contra o senhor nos tribunais...
ATO VIII
- Ataíde, tem um casal aqui querendo falar com vc. Mando subir?
- Que casal, Centopéia? Outra coisa, Não me chama de Ataíde, agora eu sou o Chefe, entendeu? Se conseguir, me chama de Big Boss, ok? Combina comigo.
- Tá bom, Chefe... O casal é um mudinho com as mãos engessadas e uma caolha desdentada... Ela diz que tem umas contas pra acertar; o cara, por sua vez, só balança a cabeça, parece nervoso. Por falar em nervoso, tem notícias do Chefe?
- O Chefe agora sou eu, Centopéia. Se você tá falando do “dr. Cadeira”, penso que ele vai morrer achando que foi Lurdinha quem fez a gravação.
- Injuriada até depois de morta, né, Ataíde? Já pegaram o cara que deu os tiros a mando do Chefe?
- Pegaram... Parece que até já confessou. Agora o seguinte: esquece esse “Ataíde”, pra todos os efeitos o cara já morreu, porra..,
- Tá certo, desculpa... E o casal? O que é que eu faço com eles? Ponho pra fora debaixo de porrada?
- Não, quê isso...? Manda subir, Centopéia. Tem uma coisa que eles sabem que eu também quero saber. Vem junto que eu vou precisar da tua ajuda.
- Tá certo, tô subindo, Chefe... Mas é Carlosss Pereeeira e não Centopéia, em que posso ser útil?
ATO IX
- Você o conheceu?
- Claro, até que era um bom sujeito.
- Bom sujeito???
- Sim, desde que não cruzassem o seu caminho...
- Você é maluco, sabia? O cara ferra a tua vida e você ainda acha que ele é um cara bacana.
- Bom sujeito, eu disse... Passei só dois dias “detido para averriguações”.
- Pode ter sido um bom Chefe, nos velhos tempos, mas daí a achar que era um bom sujeito...
- Você não perdoa ninguém, Ataíde. Fez de tudo pra sentar nessa cadeirinha, atrás dessa mesona, até por morto se passou, e agora fica falando mal de todo mundo.
- Não me chame de Ataíde, caralho!
- Tá bom, Ata.
- Nem de Ata, porra...
- Certo, chefe.
- Não sou Chefe, nem Chefinho... Não me chame desse jeito, não me comprometa.
- É pra chamar como, então?
- Me chame de Carlos Pereira. Nada de Carlinhos, nem Pereirinha, tá ouvindo?
- Carlos Pereira não era o outro?
- Disse bem: “era”. O antigo vendeu o nome pra mim.
- Vendeu o nome? Que história é essa, patrãozinho.
- Escuta, presta atenção: patrãozinho é a puta que te pariu, tá entendendo?
- Tô, seu Carlos.
- Pois é, o antigo Carrrlosss Pereeeeira tava cheio de dívidas. Eu paguei uma parte delas e em troca fiquei com seu nome, meio sujo, meio limpo.
- Ahahaha... Parece pizza da máfia.
- Pois é... Agora pra todos os efeitos eu sou Carlos Pereira, um homem com história e algumas dívidas, que em breve pretende saldá-las.
- Vai ficar com o apelido também? Posso te chamar de Centopéia?
- Experimenta pra ver o que te acontece.
- Só você mesmo, Ata... quer dizer, Carlos Pereira.
- Outra coisa, Miss Lu está de volta.
- Que Miss Lu é essa?
- A Lurdinha, quem mais poderia ser?
- A Lurdinha???? Dona Lurdes?
- Ela mesma.
- Mas não tinham matado a pobre? Me disseram que levou quatorze tiros.
- Dezessete.
- Nossa...! E escapou com vida?
- Nunca ouviu falar naquele ditado: “vaso ruim não quebra”?
- E ela tá inteirona, doutor Carlos?
- Meio baleada... Dizem que só tem meio pulmão funcionando.
- Meio pulmão??? Vai ver que na hora de gozar não consegue nem dizer: “Vem, amor...Agora, agora... ahhh” hahahaha...
- Não gostei da piadinha.
- Desculpe, foi só uma brincadeira. Vai voltar com ela?
- Tá louco? Acha que vou me meter com uma vagabunda, perversa, traiçoeira e ainda por cima com meio pulmão?
- O senhor que disse que ela tá de volta.
- Tá de volta, mas não pra mim.
- Ah, bom... Me explica uma coisa: o “Chefinho” tá na cadeia por ter mandado matar duas pessoas que estão vivas?
- A vida é assim, porteiro. Em matéria de erro judicial já vi coisas piores.
- Eu também, eu também...
- Escuta uma coisa, tem mais um negócio que eu quero que você entenda, de uma vez por todas.
- Sou todo ouvidos.
- Agora não somos mais uma organização marginal, compreendeu? Somos uma cooperativa que age inteiramente dentro da lei. Entra quem colaborar, ok?
- Ok... Se o senhor tá falando...
- Por isso é que eu não sou mais Chefe, nem Chefinho... Sou o presidente Carrrrlosss Pereeeeira.
- Posso ser o vice-presidente?
- Por enquanto, não. O mudinho e a caolha vão fazer um aporte de capital e eu vou ter que deixar um dos dois na vice-presidência.
- Porra, Ataíde.... Você continua o mesmo.
- Já te falei, Juvêncio. Olha lá...
- Tá certo, vou indo.
- Vai nada, não te dispensei ainda. O motivo pelo qual a presidência vos chamou aqui não é nenhum desses que acabamos de abordar.
- Se vai falar difícil, é melhor chamar um tradutor.
- Não fode, Juvêncio. Queria saber se você conhece bem o “Chefe” porque ele acaba de fugir da penitenciária, escapou no caminhão de lixo.
- Verdade??? De cadeira-de-rodas e tudo? Ahahaha... O “Chefinho” é foda...
- Tem uma recompensa pra quem ajudar a encontrá-lo.
- De quanto?
- Seis mil. Dólares.
- E o que é que você quer que eu faça?
- Procure lembrar de alguma coisa que possa nos levar até ele. Um endereço, um cinema que ele frequentava, um puteiro, uma padaria onde ele comprava o pãozinho de todas as manhãs, a loja que fazia a revisão da cadeira-de-rodas...
- E se eu lembrar?
- Se você lembrar e a gente achar o cara, dividimos meio-a-meio a recompensa: três mil para a cooperativa; três mil para você, aceita?
- Vocês vão é matar o “chefe”... É isso que tão querendo, né? Vai ver que essa fuga foi arranjada.
ATO X
- Dr. Carlos? Posso entrar?
- Chega mais, Josi... Como é que está se sentindo de olho novo?
- Tô ótima... Só mesmo o senhor pra me fazer um bem desses.
- Esquece essa história de “senhor”, me chama de Charles, ok? Dá mais status do que Carlos.
- Ok.
- O olho nem parece de vidro... Tá supernatural.
- Não é de vidro, é um novo material sintético, foi o senhor... foi você quem pagou a operação, Charles, e não sabe que material é?
- Não me interesso muito pela medicina e seus avanços, também não curto os detalhes. Vejo que você se arrumou toda, Josi. Tá mais linda do que nunca.
- É uma ocasião especial, há muito tempo não me sinto tão bem.
- Fico feliz em poder ajudar. Afinal, o que lhe aconteceu em parte foi culpa minha.
- Nem pense nisso... Eu é que não devia ter esnobado você naquele dia. A tal da Lurdinha costuma aparecer por aquí?
- De vez em quando aparece, mas faz tempo que não temos mais nada um com o outro.
- Sei...
- E você? Continua casada com o Beto?
- No papel, sim... Depois que ele parou com aquela mania de gritar comigo, ficou muito mais fácil a convivência, mas não passa disso, entende?
- Ele não grita, não reclama, não xinga... Tá como você gosta, não é, Josi?
- Eu nunca tive olhos pra homem nenhum além do Beto. Sempre fui fiel a meu marido.
- Sei...
- Bem... Acho que está na hora de ir.
- Nada disso, fica mais um pouco.
- Mais? Daqui a pouco vai querer que eu durma aqui, senhor Charles.
- Aqui, não... Vamos sair para um lugar mais tranquilo?
- Não sei... Você tem vontade?
- Muita... Você não?
- Não posso negar.
- Então, vamos logo. Amanhã, no máximo segunda-feira, você será minha vice-presidenta. Gosta da idéia?
- Gosto da idéia e de muitas outras coisas também. Como eu lhe falei eu e o Beto agora somos apenas bons amigos...
ATO XI
- Quem é?
- Sou eu, Dr. Charles... Celso Jacaré, irmão mais novo do Centopéia.
- (Baixinho em aparte): Mais essa agora... (Alto) Entra, Jacaré.
- Licença, doutor...
- Senta, em que posso ser útil?
- Agora o senhor falou igualzinho ao Centopéia, ele que vivia falando isso (falsete): “em que posso ser útil, em que posso ser útil...”
- Foi a convivência, acabei pegando as manias dele.
- Por falar em pegar, os homi tão me chamando lá de novo .
- E você tá precisando de um advogado.
- Sei não, doutor... Na última vez só me perguntaram se eu sabia por onde andava o meu irmão.
- E você?
- Disse que não sabia, é claro. Inventei que tinha brigado com ele aos treze anos e que nunca mais tinha visto o sacana.
- E os caras acreditaram, Jacaré?
- Sei lá... Não tô dentro da cabeça deles. Depois me perguntaram também por um tal de Ataíde e por que ele tinha mudado o nome pra Dr. Charles. Já sei que o senhor vai me perguntar o que eu disse, então vou logo dizendo que não disse nada, ou melhor, disse que não sabia de nada, nem conhecia esse tal de Ataíde.
- Difícil de acreditar.
- Também acho. Se perguntarem de novo, nem sei o que dizer...
- Deixa eu adivinhar: você tá pensando em não ir a esse interrogatório?
- Não tinha pensado nisso, mas pode ser uma boa idéia. O problema é que eu tô duro, não tenho grana nem pra pegar um ônibus leito até BH, que dirá um avião para as Bahamas.
- Bahamas??? (Baixinho): Tá querendo dar um passo maior que as pernas.
- Dizem que lá é uma ilha de tranquilidade.
- Nessa época do ano parece que tem uns furacões, uns tufões, essas coisas.
- Se o senhor não tá querendo que eu vá, pode dizer, dr. Charles. Eu também não sei o que vou dizer quando os homi me pegarem.
- Tá com seu passaporte em dia, Jacaré?
- Claro... Só que em nome de Dorival Vianna de Assumpção, já comprei até o terno e as malas... Só falta o senhor sabe o quê.
- Pega o visto amanhã.
- Já peguei.
- Só falta mesmo...
- Isso.
- Péra que eu vou pedir pra minha secretária fazer o cheque, Jacaré. (Entredentes): É cada um que me aparece... Uma boca maior do que a outra.
Ato XII
- Dr. Charles.
- Diga, Melissa.
- Tá aqui na recepção o sr. Oduvaldo Teixeira. Diz que é particular, pode subir?
- Deixa sim, Melissinha... Eu me entendo com ele. Só manda o Juvêncio revistar o cara, se estiver armado é pra guardar a ferramenta aí na recepção, entendeu?
- Entra. Não viu o aviso: “Entre sem bater”?
- Como vai dr. Charles?
- Normal, vamos direto ao que interessa, abraçaram o Jacaré?
- Lógico, bem na hora que ele ia descontar o cheque na boca do caixa. Tava todo mundo sabendo que o cheque era roubado
- O Jacaré não chiou?
- Já viu Jacaré chiar, doutor? Jacaré quando fica puto dá rabanada, ahahahaha...
- Vadão, não achei graça... Não tô a fim de piadinhas.
- Desculpe, doutor... Tava brincando.
- O que foi que ele disse?
- Não disse nada, ficou de queixo caído. Levamo ele pra...
- Não quero saber dos detalhes.
- Tá certo, doutor, mas não tem medo de alguém descobrir certas coisas?
- O que, por exemplo?
- Que o senhor não é o verdadeiro Centopéia? Podem fazer uns testes de DNA, sabe como é...
- Vadão, já ouviu falar em DNA resistente a forno crematório?
- Não, senhor.
- Até as cinzas desapareceram.
- É pra lá que vão levar o Jacaré também?
- Não sei... Já disse a você que não gosto de me envolver nos detalhes.
- Coitado do Jaca... Tava com tudo pronto pra viajar para as Bahamas.
- E pra isso ia tirar o meu couro? Nessa guerra só os mais rápidos escapam, meu jovem.
- E o senhor tirou o couro do Jacaré antes que ele tirasse o seu, né doutor? Ahahaha...
- Eu??? Vadão, não foi você que pegou o cara na boca do caixa? Todo mundo viu.
- Tá certo, doutor... Vamos mudar de assunto?
- Vamos sim... Tem uma coisa que eu quero deixar bem claro para todos: Agora nós somos uma grande organização, que age estritamente dentro da lei, tá entendendo? Já compramos os quatro andares desse prédio e temos outros grandes negócios em vista. É aqui que a nossa Forcinha está cada vez mais poderosa. Portanto, seu Vadão, convém não facilitar...
- Quem sou eu, chef... Dr. Charles.
ATO XIII
- Charles.
- O que é, Melissinha?
- O Zezinho ligou.
- Que Zezinho é esse? Eu lá sou homem de receber ligações de “Zezinhos”.
- Calma, Carlitos.
- Não me chama assim... Já te falei que eu não gosto.
- Xiii... Já vi que tá de mau humor.
- Não é isso, Melissa... Mas não é porque a senhora gozou da minha intimidade uma ou duas vezes que vai ter o direito...
- Foram cinco vezes, Doutor Charles, e não gozei tanto assim...
- Cinco??? Não acredito...
- A primeira foi bem aqui naquele sofá, a segunda foi no Motel Printemps, a terceira...
- Chega, chega, chega... (Baixinho) Eta memória de elefante...
- Quem é que é elefante aqui, seu Carlos?
- Elefante? Eu falei elegante, Melissinha... Tava te elogiando, não sabe?
- Sei...
- E o tal do Zezinho?
- Que Zezinho? Tava em forma, você sabe, ué. Deixa de ser convencido, homem.
- Não é nada disso... Tô falando daquele Zezinho que você disse que me ligou. Quem é esse cara?
- Ah, bom... Então, Zezinho é o irmão mais novo do Jacaré. O irmão mais velho do Jacaré, o senhor sabe, era o Carlos Pereira, vulgo Centopéia.
- Shhhh...
- Shhh, por quê? Até as paredes dessa espelunca sabem o que aconteceu com o pobre do Centopéia.
- O que é que esse tal de Zezinho tá querendo?
- Me disse por alto que quer ressarcimento. Uma grana pela perda dos irmãos e pelo senhor ter roubado o nome do Cento.
- Roubado é o caralho, paguei tudo direitinho, cash...
- Não fala palavrão tão alto, Charlie... Vão pensar que você tá me comendo.
- Por que pensariam isso?
- Aqui todo mundo sabe que você adora falar palavrão na hora que tá gozando.
- Quem contou?
- Eu que vou saber...
- Pra você ver o quanto estão sendo injustos comigo, Mel... Comprei as dívidas do cara, paguei uma grana, limpei tudo e fiquei com o nome dele, qual é o problema?
- Problema nenhum, só que o Zezinho quer um ressarcimento, caso contrário, já avisou que vai ao Procon.
- Esse Zezinho não tem um vulgo?
- Vulgo???
- É, porra... Vulgo, apelido, codinome, nome de guerra, entendeu?
- Sei lá qual é o “vulgo” do Zezinho. Só sei que em criança chamavam ele de Pião.
- Pião?
- É, abreviatura de Escorpião.
ATO XIV
- E aí? Tudo bem?
- Mais ou menos...
- Soube o que aconteceu com o Zezinho?
- Que Zezinho?
- Zezinho, irmão mais novo do Centopéia.
- O irmão mais novo do Cento não era o Celso Jacaré?
- Tem um mais novo ainda, quer dizer, “tem” não, tinha...
- Tinha por quê?
- O cara morreu atropelado ontem de madrugada.
- Um carro pegou?
- Que Carro nada... Foi um trem mesmo. Estraçalhou o Pião
- Que Pião?
- O Zezinho, Dr. Charles... O apelido dele era Pião ou Escorpião
- Tudo com nome de bicho. Eu, hein... Você viu o corpo, Juvêncio?
- Que corpo, Dr. Charles? O cara tava todo esbagaçado. Eu vi na TV.
- Escuta, vamos parar com esse negócio de “doutor Charles”, eu não sou médico porra nenhuma.
- É pra chamar de que jeito?
- Me chama de Míster Charles, ok? Agora nossa organização é internacional, é a “International Force Inc”. Escuta uma coisa, quem mais tá sabendo da morte do tal Zezinho Escorpião?
- Todo mundo, Mr. Charles. Não se fala em outra coisa por aqui, o Centopéia e seus irmãos eram muito queridos .
- Parece que na organização eu sou sempre o último a saber.
- Mas o primeiro a mandar.
- Como disse?
- Esquece, Míster... Tava pensando alto.
ATO XV
- Chefe?! O que é o que senhor tá fazendo aqui?
- Tô de volta às origens, dona Lurdes.
- Na sua cadeirinha de rodas, atrás da mesa de Mr. Charles?!
- Então... Fiz um acordo com a Forcinha, esquecemos as velhas mágoas.
- E cadê o homem?
- Mr. Charles a essa hora deve estar em Miami. Foi fechar uns contratos de importação e exportação.
- Foi sozinho?
- Que nada... Parece que levou a vice-presidente e mais uma turma de aspones com ele?
- Aquela encardida, caolha, desdentada?
- Tá mais desdentada, não, Lurdinha... Nem caolha. Dona Josi até parece uma nova mulher. Mas não precisa ficar com ciúmes porque o mudinho foi junto.
- E você acha que eu vou sentir ciúmes daquele traste, chefe?
- Olha a língua, olha a língua... Estamos na sala do presidente, não se esqueça, Lurdinha.
- Tem razão... Não se fala mais nisso, Mr. Charles leva quem ele quiser pro exterior, né, Chefinho?
- É, Lurdinha... Além disso, Parece que os dois revelaram o segredo que a Organização queria tanto saber .
- E que segredo era esse?
- Se era segredo, não posso dizer, ok?
- Sei lá... Se não pode dizer, por que falou? Mas por mim tudo bem.
- Mudando de assunto, me disseram que você tava toda estropiada, mas tô vendo que não é bem assim. Até que tá inteirona, com tudo em cima...
- O Ata..., quer dizer, Mr. Charles pagou uma recauchutagem pra mim também.
- Tá vendo? O diabo não é tão feio quanto se pinta.
- Isso porque o senhor não sabe o que eu tive de fazer pra conseguir o que queria.
- Não sei e não quero saber, dona Lurdes... Não me comprometa.
- Tá certo, chefinho... Vamos mudar de assunto, tá quente hoje, né?
- Um pouco.
- O senhor não quer ficar mais à vontade, agora que tá na posição de manda-chuva?
- Levanta daí, dona Lurdes... Não faz assim.
- Tá com medo de quê, chefinho? Mr. Charles tá em Miami, não tá?
- Pode ter uma ou duas câmeras ocultas aqui na sala, além de gravadores, a gente nunca sabe.
- E o que eles vão fazer? Será que nunca viram sexo oral na TV?
- Tá certo... Como dizia um amigo meu que era músico, se os negócios vão de vento em popa, tá na hora de pôr a boca no trombone... Ahhh... Chupa, Lurdinha, chupa...
ATO XVI
- Já soube?
- Do que, Juvêncio?
- Pegaram todos eles no Tom Jobim.
- Todos eles quem? Não me assuste...
- Mr. Charles, Josi, Vadão, Beto Mudo... Acho que do primeiro time da Forcinha só não pegaram nós dois, a Melissa e dona Lurdes, Chefe... Mesmo assim porque nós não fomos.
- Quem pegou???
- Narcóticos.
- Narcóticos?
- Sim... A bagagem tava entupida de bagulhos .
- Mas que loucura é essa? Quem é que vai trazer matéria-prima de Miami pra cá? A rota é ao contrário.
- Foi o que aconteceu, infelizmente.
- Juvêncio, alguém pode ter “recheado” as malas?
- Sempre é possível, Chefe.
- É o que eu digo, hoje em dia não se pode confiar nem na própria mãe.
- E agora? Voltamos à estaca zero?
- Me parece mais correto dizer que voltamos às nossas origens.
- Mr. Charles é que gostava de dizer que a Forcinha não tinha nada de ilegal... Agia inteiramente dentro da lei.
- Tá se vendo...
- Era um sonhador.
- Quem? O filho da puta do Ataíde? Só me faltava essa, chamá-lo de “sonhador”.
- Tá certo, Chefe... Rei morto, rei posto. Quando as coisas se acalmarem posso ser o novo vice-presidente?
- Claro, Juvêncio... Precisamos de gente assim como você, de absoluta confiança.
- Obrigado, Chefe... hehehe. Quem vai ficar na recepção lá embaixo?
- Por enquanto vou pedir pra dona Lurdes quebrar o galho, depois a gente vê.
- Bem lembrado, ela tá supercharmosa com aquele vestido prateado que o senhor deu pra ela, vai ser muito mais que uma simples recepcionista, tem pose de secretária. A vice-presidência tem notado a evolução...
- Chega, Juvêncio... Menos.
ATO XVII
- Chefe.
- Pois não, Lurdinha.
- Tem um maluco aqui na recepção que quer falar com o senhor, diz que tá chegando de Miami e veio a mando de um tal de lagartixa, o que é que eu faço?
- Manda ele subir.
- Que lagartixa é esse, Chefinho?
- Irmão gêmeo do Centopéia.
- Vixe...
- Manda ele subir e vem junto. Tá na hora de você aprender como é que funciona o mundo dos negócios, dona Lurdes.
- Posso pedir pro Juvêncio ficar aqui na portaria?
- Posso pedir pro Juvêncio ficar aqui na portaria?
- Isso… Avisa que depois vamos sair, você e eu, temos uma
reunião
no Senado Federal.