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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

DOIS DIAS ANTES DE ACABAR A GUERRA

Fn


Sequei.
As águas que antes corriam caudalosas, arrancando estacas, alagando o pier, para enfim naufragar nas areias de uma praia qualquer, desinundada, foram essas águas que em mim secaram.
Motivos há, ou deve haver:
O céu de chumbo.
A poeira da estrada.
Os amontoados no mapa da África em duas dimensões.
O não-ligar, simplesmente não ligar.
O levantar da cadeira e sair em busca de um livro ou de uma xícara, cheia até a metade de qualquer coisa fumegante, que não será sorvida nos próximos cinco minutos, até que esfrie ainda mais esse não-ligar. 
O som que brota de animadas festas, para as quais detestaria ter sido convidado.
A madrugada em si.
As mentiras que as águas para sempre levaram.
O ver-se a si mesmo como o último grande marsupial carnívoro.
O desculpar-se em silêncio.
O não ter motivos.
Quantas vezes você pensou que era chuva a água que caía de um chuveiro?
Fui ao médico. Na volta, pensei: “O que ele diz, não escreve”. As letras pequeninas tremiam sob os olhos do farmacêutico incrédulo. Imagética. O sorriso do médico: “Você está forte como um touro”; os olhos do farmacêutico: “Tome esses compridos e ligue para o IML na próxima esquina, onde há um orelhão azul, meio judiado”. Não levei a mal aquele examinar-me de alto a baixo.
Mas o fato é que sequei e não me arrependo. Não me arrependo de ter secado nem de ter dito essas palavras, que se sobrepõem a todas as outras que já disse um dia, para sempre petrificadas. 
(Em tempos diluvianos, achei melhor pinçar alguns de volta. Para chover no molhado.)

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